terça-feira, 6 de janeiro de 2015

[EXERCÍCIO RESOLVIDO] - Sistema digestório humano


Essa dúvida surgiu no grupo Projeto Medicina, no Facebook. Trata-se de uma questão de Fisiologia, isto é, a parte da Biologia que estuda o funcionamento dos seres vivos. Mas não há como entender Fisiologia sem ter uma base forte nas nossas estruturas funcionais mais básicas - as células. Todas as nossas funções são fundamentalmente realizadas por trilhões de células, divididas em grupos "microespecializados". Em conjunto, elas são as responsáveis por grandes funções: a digestão, a excreação, a circulação, a respiração, entre outras.  

Mas estudar Citologia, isoladamente, também não basta. O mundo cercado pela membrana plasmática é extremamente caótico. Proteínas são constantemente sintetizadas, de acordo com as instruções do material genético. E são as proteínas que realizam boa parte do trabalho nas células. Em especial, as enzimas. São proteínas que catalisam (isto é, aceleram) reações químicas específicas. Nesse exercício, alguns conhecimentos sobre enzimas são fundamentais. Neste artigo, explico mais detalhadamente sobre elas e sobre as outras formas de proteína.

Enzima e substrato
Observe que a enzima tem um encaixe perfeito para seu substrato - no exemplo, a maltose. Após o encaixe (formação do complexo enzima-substrato, em 2); ocorre uma reação química, resultando na quebra da maltose em duas moléculas de glicose (3). A enzima, como qualquer catalisador, mantém-se intacta ao fim do processo.

O mais importante, na resolução desta questão proposta no grupo do "Projeto Medicina", é entender que cada enzima tem uma geometria ou uma conformação tridimensional muito específica. Tal configuração espacial depende unicamente da sequência de aminoácidos (o que é codificado pelos genes, no DNA). E por que elas precisam ter esses formatos tão especiais e únicos?

É que é esse formato que garante a formação de um sítio ativo, nome do local onde ocorre o encaixe da enzima com um substrato específico. É como se a enzima e o substrato fossem peças de um quebra-cabeça que se encaixam perfeitamente. E o substrato é um reagente, ou seja, é uma molécula que sofrerá alguma reação química. A enzima acelera tal reação química. Resumindo:
  • As enzimas são dispositivos moleculares altamente sofisticados. Cada uma delas tem um encaixe perfeito e específico para um substrato.
  • Ao se encaixar com esse substrato, as enzimas catalisam alguma reação química, que é importante para o metabolismo celular, e, numa visão mais ampla, para o funcionamento do corpo.
Alternativas
Lipase, nuclease, protease, amilase e lactase. Todas elas são proteínas (do tipo enzimas. Atenção: todas as enzimas são proteínas, mas o contrário não é verdade!). O que elas tem em comum? O sufixo -ase está em todas elas. Apesar de não usado para todas as enzimas, esse sufixo -ase designa a maioria. E o que vem antes do sufixo dá pistas sobre a função da enzima.  Trata-se do substrato sobre o qual elas atuam. Vamos ver isso melhor a seguir, explorando em detalhes cada alternativa fornecida pela questão:

a) "Lipase intestinal"
O ducto pancreático, o ducto hepático e o ducto colédoco
"irrigam" o intestino delgado
A lipase (lip + ase) atua, como é possível suspeitar pelo nome, sobre os lipídios. Para ser mais exato, sobre as gorduras. As gorduras são muito importantes como fonte de energia. No entanto, por serem moléculas muito grandes, elas devem ser "quebradas" em  partes menores - ácidos graxos e glicerol - a fim de serem transportadas pelo sangue até seus locais de estoque, os adipócitos.

Quem realiza essa quebra é a lipase pancreática. O pâncreas secreta o suco pancreático, uma solução formada por sais e enzimas - entre elas, a enzima lipase. Após ser lançado no ducto pancreático, tal suco chega ao intestino delgado. A bile, líquido produzido no fígado, divide a gordura em pequenas gotas, facilitando a atuação da lipase. Desse modo, os triglicerídeos (gorduras) podem ser quebrados em partículas menores.

Erros: a lipase é pancreática, não intestinal. Seu local de produção é o pâncreas. O intestino grosso não produz qualquer enzima, apenas o intestino delgado. A lipase atua sobre lipídios do tipo triglicerídeos, apenas.

Fato curioso sem relação: há um remédio, o Xenical (orlistat) que atua inibindo a lipase. Com isso, a gordura não é absorvida pelo corpo, sendo simplesmente excretada. Leia mais aqui.

b) Nuclease
As nucleases (nucle + ases) atuam sobre os ácidos nucleicos - DNA e RNA. Por que precisamos de uma enzima dessas? Ao comer carne, você está ingerindo as células musculares de algum animal. Ao se alimentar de verduras, você ingere células vegetais. E, em todas as células, há ácidos nucleicos (em especial, DNA, que contém toda a informação genética de qualquer ser vivo). 

O suco pancreático contém nucleases, que quebram tal DNA e o RNA em monômeros - os nucleotídeos. Quando os nucleotídeos chegam ao íleo, a última parte do intestino delgado, eles são degradados em partes ainda menores pelas enzimas nucleotidases. Tais partes são as bases nitrogenadas, pentoses e fosfatos. Nas células, esses produtos podem ser usados na formação de novos ácidos nucleicos (nos processos de replicação do DNA e transcrição do DNA em RNA).

Erro: a nuclease realmente atua sobre o DNA e o RNA, mas é produzida pelo pâncreas e não pelo intestino delgado.

As células epiteliais que forram a parede do intestino
delgado possuem microvilosidades -
projeções da membrana plasmática formadas por
feixes de actina, que facilitam a absorção dos
alimentos digeridos.
c) Amilase pancreática
Sabemos que a glicose é a fonte de energia preferencial das nossas células. A partir dela, podemos produzir grandes quantidades de ATP, que, a nível celular, é praticamente um sinônimo de "energia". Mas acontece que a glicose não costuma vir isolada na natureza, mas, sim, formando oligossacarídeos ou macromoléculas, os polissacarídeos. Um desses polissacarídeos é o amido, encontrado, por exemplo, nas batatas, arroz e mandioca. É uma reserva energética armazenada pelos vegetais.

A digestão do amido começa já na boca, através da amilase salivar (ou ptialina). No entanto, a maior parte se dá no intestino delgado. A amilase pancreática favorece a reação química que degrada o amido em moléculas de maltose, que são então transformadas em glicose pela enzima maltase do suco entérico. A glicose gerada pode, ser, então, aproveitada por nossas células no processo de respiração celular.

Erro: a amilase pancreática atua sobre o amido, que é um carboidrato do tipo polissacarídeo.

d) Lactase
Como o nome indica, ela atua sobre a lactose, açúcar encontrado principalmente no leite. A lactose interage com a enzima lactase, produzida pelo intestino delgado (no suco entérico), sendo desdobrado em dois monossacarídeos: glicose e galactose. Esses são absorvidos pelo intestino delgado, chegam ao sangue e, então, às células, onde podem ser aproveitados como fonte energética.

Erro: a vesícula biliar (assim como o intestino grosso) participa da digestão, mas não produz enzimas digestivas. A lactase é produzida por células da parede do intestino delgado, numa solução chamada de suco entérico.

e) Proteases
As proteases atuam sobre as proteínas. Apesar da digestão das proteínas começar no estômago, com a pepsina (que atua em um pH ácido), ela continua no intestino delgado. 

As proteases ou peptidases são lançadas no ducto pancreático e, ao encontrarem proteínas no intestino delgado, quebram as ligações peptídicas que as constituem. O produto de tal reação química são vários aminoácidos. Tais aminoácidos, ao serem transportados às nossas células, podem participar da síntese proteica, se combinando de modo a formar outras proteínas.  

As proteases mais importantes são a tripsina e a quimiotripsina.

Erro: proteases são produzidas pelo pâncraes. Elas atuam sobre proteínas.


Conclusão
A rigor, nenhuma alternativa está correta.
No entanto, se você se dispor a fazer uma "vista grossa", tomará a b) como a certa (menos errada). O autor da questão deve ter se enganado ao diferenciar nuclease, que digere ácidos nucleicos, transformando-os em nucleotídeos; e nucleotidases, que transformam nucleotídeos em bases nitrogenadas, fosfatos e pentoses. A nuclease é produzida pelo pâncreas, enquanto a nucleotidase é produzida pelo intestino delgado. As duas atuam no intestino delgado (mas só a nucleotidase é aí produzida). 

Desse modo, o erro da opção está no local de produção: a nuclease é produzida no pâncreas e, por meio do ducto pancreático, chega ao intestino delgado, onde digere ácidos nucleicos.

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