sábado, 24 de janeiro de 2015

Drogas da inteligência e suas questões éticas


           Essa é uma continuação da matéria "O doping intelectual" 


            O aumento do interesse em "cosméticos para o cérebro", isto é, o uso de certas drogas por pessoas sem problemas neurológicos a fim de melhorar suas habilidades cognitivas, trás consigo várias questões éticas. A medicina deveria ser usada para melhorar a qualidade de vida tanto daqueles que são saudáveis quanto daqueles que estão doentes?
  
            Poderíamos argumentar que o uso de drogas para "turbinar o cérebro" é uma progressão natural no desenvolvimento do homem. As pessoas já tomam suplementos concentrados em óleo de peixe, que são constantemente anunciados como amigos do cérebro. Estudantes e profissionais que trabalham, enfrentando longas jornadas, consomem comprimidos e bebidas contendo cafeína para afastar o cansaço. Será o uso dessa nova geração de drogas o próximo passo?

           
            Parece que o caminho é inevitável. Principalmente em atividades que envolvem proteger a própria vida ou a de terceiros, o uso do Stavigile, que corta o sono, parece se tornar uma tendência. O Ministro da Defesa do Reino Unido, segundo notícias, teria comprado 24.000 comprimidos da droga, entre 2001 e 2004, quando o país havia participado da invasão do Afeganistão. O Stavigile tem sido estudado (e usado) como modo de aumentar a performance de médicos e outros profissionais da saúde, que são submetidos, muitas vezes, a privação de sono.

            O que seria melhor: ser operado por um cirurgião sem dormir há 24 horas ou por um que usou uma substância para ficar alerta (e, de acordo com estudos científicos, mais eficiente)? Qual é o melhor cenário: um acidente com um avião militar, porque seu piloto estava fadigado demais para operá-lo eficazmente; ou nenhum acidente, pois o piloto havia tomado um comprimido de Stavigile para se manter acordado?
           
Uso do remédio em competições
            Mas o uso dessas drogas vai além. A grande polêmica está no uso por aqueles que querem competir em áreas como o estudo e o trabalho. Com nossa transformação numa "sociedade 24 horas", o Stavigile seria uma maneira de lidar com a sobrecarga e as pressões. É uma tendência que acompanha o estilo de vida que muitas pessoas levam nas grandes metrópoles. Num ambiente globalmente competitivo, alguns indivíduos sentem que não podem se dar ao capricho de perder tempo – nem que seja para dormir. Isso talvez explique porque tantas pessoas se voltam para soluções rápidas como o Stavigile.

            É claro que não há almoço grátis. Na última matéria, vimos a descrição de efeitos colaterais diversos. O Stavigile tem sido usado há pouco tempo e, segundo especialistas, não há como saber quais são seus efeitos a longo prazo. O uso do Stavigile é proibido por menos de 18 anos, exatamente porque estes são os mais vulneráveis a possíveis efeitos colaterais, uma vez que seus cérebros ainda estão em desenvolvimento. No entanto, jovens são um dos que mais se interessam pela droga, pois estão enfrentando a pressão dos exames vestibulares. Vale a pena arriscar a saúde para conseguir uma aprovação? E, mais ainda: e se for comprovada certa margem de segurança para o Stavigile a longo prazo, em pessoas saudáveis? O remédio deveria então, ser liberado, para o uso daqueles dispostos a enfrentar os efeitos já conhecidos?
 
            E aí entra outra questão: pessoas saudáveis que fazem uso dele estão trapaceando? A competição com aqueles que não fizeram uso de remédios, numa situação como um vestibular e um concurso, seria desonesta? É possível chamar isso de doping intelectual? Perguntamos aos entrevistados que tomaram o Stavigile, da última matéria, o que eles pensam sobre isso.

            "Antes da prova acontecer, vale tudo", diz Paulo Felipe, quando perguntado se o uso do Stavigile seria errado. "Se você criar uma maneira eficiente de estudar e adquirir conhecimento, é válido. Mesmo que seja radical. As regras dos editais são claras: faça a prova sem colar, etc... O edital não pode interferir no método de estudo usado. Estamos lá para provar que o método é eficiente, independente de ser algo pouco acessível".

            Diego também concorda com ele: "Desde que sejam claros os riscos de usar tais substâncias como o modafinil, não vejo maiores problemas". Mas ele, que usa sob prescrição médica, adverte que não é para qualquer um: "Nem todos aguentariam tomar o Stavigile. É extremamente necessário ter a consciência de que essa medicação não substitui o sono e descansos naturais. E essa consciência normalmente só é criada a partir da consulta médica".

            Lívia também não considera o uso imoral: "Não considero errado. Cada um tem seu método de estudo. Alguns podem pagar cursinhos de pré-militar, pré-vestibular e se preparar melhor, mas e uma pessoa que não pode? Havendo outros caminhos, com custo baixo e efetivo, acho válido. Claro que sair usando uma medicação indiscriminadamente também é algo que não é muito saudável, mas cada um vai pelo caminho que pode seguir", ela opina.

            Marcos, que se arrepende de ter usado, diz que é melhor ficar só no café: "Você só engana seu corpo! Tome um cafézinho, durma bem, se alimente bem, faça algum exercício físico e estude num ambiente tranquilo. Assim, você conseguirá estudar da mesma forma sem machucar seu corpo".

            De fato, o cafézinho é o método artificial mais seguro ao lidar com nossa transformação numa sociedade 24 horas. Por enquanto, os únicos ingredientes comprovadamente seguros para a saúde mental são uma boa dieta, exercício físico e uma noite de sono revigorante.

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