Como estudar Medicina no exterior? Fernando conta sua experiência em Buenos Aires

Texto escrito por Fernando Rafael Carneiro para o "Caderno de Medicina". Fernando Rafael estuda Medicina na Universidade de Buenos Aires.

Aos futuros médicos do Brasil (e do mundo);

Aqui quem vos fala é nada menos alguém que, assim como vocês, tá na batalha pra seguir essa carreira linda que é a medicina.

Meu nome é Fernando Rafael, tenho 21 anos e já estou cursando Medicina. “Você cursa onde, UEL, USP, PUC????” Nada disso! Estudo na Argentina! “Nossa, mas você tem aula de anatomia com osso de galinha???” Também não. Vim aqui pra tirar de uma vez por todas esse preconceito de alguns.

Fernando Rafael

Muita gente diz que universidade da Argentina é fácil de entrar, mas difícil de sair. Aí começa o erro. NÃO É FÁCIL DE ENTRAR!!

Tem faculdades particulares que são mais fáceis de entrar? Sim. Tem faculdades ruins? Óbvio! Todo lugar tem. Mas não é por isso que vocês precisam generalizar.

Eu estudo na Universidad de Buenos Aires, e vou explicar pra vocês como é a faculdade em si e como é a vida fora do país.

Bom, a UBA é uma instituição pública, dependente do governo. Foi considerada a quinta melhor escola de medicina da América Latina, atrás apenas de 3 brasileiras (USP, UNICAMP e UNIFESP) e PUC-Chile (http://www.meddepressao.com.br/9-melhores-faculdades-de-medicina-da-america-sul/). A faculdade possui 4 Prêmios Nobel:

-1936: Premio Nobel da Paz – Carlos Saavedra Lamas (Formado e ex-professor da UBA)

- 1947: Premio Nobel de Medicina – Bernardo Houssay (Formado e ex-professor da UBA)

- 1970: Premio Nobel de Química – Luis Federico Leloir (Formado e ex-professor da UBA)

- 1984: Premio Nobel de Medicina – Cesar Milstein (Formado na UBA)

É uma universidade dividida em campus. Cada faculdade tem sua sede. Eu vou explicar como funciona a Faculdade de Medicina. Clique abaixo para continuar a leitura.

Ingresso: como entrar?

“Na Argentina tem vestibular?” NÃO. Mas entendam uma coisa, que é a principal parte que muita gente não entende. Não é porque não tem vestibular que você chega na janela da administração e diz: “che, señor, quiero hacer medicina aca”. Tem todo um processo seletivo, que começa assim:

O primeiro ano consta de um curso com duração de um ano, chamado CBC (Ciclo Básico Comum). É um curso que qualquer pessoa que queira estudar na UBA, independente do curso, tem que fazer. O curso consta de 6 mateiras (4 especificas e 2 comuns pra todos). As específicas de medicina são: Biologia com introdução à Biologia Celular, Física com Introdução à Biofísica, Química e Matemática; as duas comuns para todos são: Introdução ao Pensamento Científico e Introdução ao Conhecimento de Sociedade e Estado (basicamente a História da Argentina). 

Cada matéria tem duas provas parciais e uma final. A média de cada prova é 4. “Nossa, que fácil, 4 até meu gato tira!". Vai nessa!. 4 aqui, equivale a 60% da prova. Exemplo, minha prova de biologia eram 60 questões; pra tirar um 4, eu tinha que acertar 36 questões. Então, outra vez: não é fácil. 

Aqui, você pode “fugir” da prova final, se tiver uma média 13,5 com as duas primeiras provas, nesse caso, aprova direto; caso contrario, prova final e média 4 pra aprovar. Se não aprovar UM parcial, tem recuperatório. Se chegar a final, tem 3 oportunidades para aprovar, a cada 6 meses. Se mesmo assim, não aprovar, tem que recursar a matéria.

Depois de ser aprovado nas 6 matérias, aí sim, parabéns, você tá na UBA! Se você fizer o CBC em um ano (como eu fiz), caraca, parabéns! São poucos os alunos que terminam em um ano. A maioria dos alunos que começam o CBC, na metade do caminho vão para as faculdades particulares ou voltam para o Brasil.

O grande problema que enfrentam os alunos brasileiros no CBC e na faculdade, é que a forma de ensino aqui é autodidata. Você não tem o professor ali o tempo todo em cima de você, te ajudando.TE VIRA FILHO!

No CBC você tem duas aulas por semana de cada matérias, mas não vai pensando que essas duas aulas servem para a prova.. Você precisa chegar em casa e estudar (ESTUDAR DE VERDADE), senão nada de aprovação.

A Universidade

Prédio da Faculdade de Medicina da UBA

Bom, o CBC já entenderam, passamos a grande UBA!

Vou explicar como funciona o primeiro ano, que é onde eu estou. (agora já terminei, fui para o segundo ano. VIVA!)

Parem de pensar que na Argentina a gente estuda com ossos de plástico ou de galinha. Estudamos como todos, com corpos, com ossos de verdade e tudo mais que se necessita para aprender. Os preparados são bons? Gente, é uma faculdade federal, nenhum dos preparados morreu ontem, mas são preparados com os quais se pode estudar perfeitamente.

Sobre as aulas, como eu disse, o ensino é autodidata, na faculdade mais ainda. Aqui não tem aula teórica obrigatória. Você tem aula pratica uma vez por semana, 4 horas de aula. Ou seja, se vira em casa, compra livro, vai pros cursinhos da vida! Mas chega na aula com a teoria estudada, porque ninguém irá parar porque você não aprendeu a disciplina.

Mas calma, também tem aula teórica. As aulas teóricas aqui são chamadas de seminários e tem toda semana, em vários dias. A diferença é que não é obrigatória, vai quem quer, quando quer. Então a gente vai nos seminários pra ter uma base do que é mais importante, do que cai nas provas. Mas  volta pra casa e come os livros, pra chegar na aula prática sabendo o máximo que pode. Daí, dá pra tirar dúvidas e entender a explicação do professor.

Aula com alunos

E aí ta outra dúvida que surge. “É verdade que não estudam com professores?” É VERDADE.

Nós estudamos com ajudantes, que são alunos de anos mais avançados. Eles se prepararam muito pra dar aula e sabem muito. Não pensem que por não ser um professor, que  eles não podem ensinar. Estes ajudantes, além de ter tirado um nota bem alta quando cursaram essa matéria, tiveram um ano de “escola de ajudantia” que, como o nome diz, é uma escola pra poder dar aulas sobre a matéria.

Custo e qualidade de vida

E pra fechar isso, a faculdade tem uma estrutura ótima. O prédio é lindo, a comida é barata, a organização é ótima e o ensino é espetacular. Então vamos deixar esse preconceito de “vi no Fantástico que quem vai pra Argentina passa fome e nunca sai formado” porque é uma grande mentira. 

Basta escolher a faculdade certa, se esforçar e tudo dá certo. Agora, se você quer um lugar onde Medicina seja fácil, sinto muito, mas tudo que vem fácil, não presta (pelo menos pra mim). Nós vamos cuidar de vidas, não pode ser fácil. A gente tem que suar, batalhar e morrer de estudar, pra dento de alguns anos, realizar o nosso grande sonho, que é ser médico e ajudar os outros! Então parem de querer tudo de mão beijada, nada cai do céu.

“Fernando, é caro viver na Argentina?” DEPENDE

Tudo depende, minha gente. Eu gasto em média R$1500 por mês. Moro num bairro muito bom, relativamente barato, como muuuito bem. Não tenho essa de “não vou comer isso porque preciso economizar”, mas conheço gente que sim. E também conheço gente que gasta só de aluguel o que eu gasto o mês inteiro. Então é bem relativo o gasto.

A vida aqui é bem mais barata que no Brasil. O real, hoje (23 de janeiro de 2015) tá valendo, no câmbio não oficial, por volta de 4,50 pesos. O dólar vale em média 13,40 pesos.

O transporte público aqui é ótimo. Ônibus 24 horas, metrô até as 22h30. E o preço é muito baixo. Uma passagem de ônibus sai no máximo 4 pesos.

A comida, dependendo do que, é mais barato que no Brasil. Comer fora sai um pouco mais caro, dependendo de onde. Mas ninguém faz isso todo dia (pelo menos eu não).

Balada não é caro. E não pensem que estudante de Medicina não sai, não se diverte. Eu consigo muito bem conciliar minha vida social com a minha estudantil. Isso de que estudante de medicina fica em casa estudando 24h por dia, é mentira.

Então minha gente, parem de achar que na Argentina a vida é sofrida e a faculdade é fácil, porque não é. Eu estudo muito, mas também aproveito a vida, porque a gente só tem uma.

Espero ter tirado o preconceito de vocês e que eu possa ter explicado bem como funciona tudo aqui. Vou deixar meu e-mail e quem tiver alguma dúvida, tiver interesse de vir pra cá, quiser indicações de empresas educacionais, pode entrar em contato comigo.

E gente, sigamos os nossos sonhos, independente de onde ou de que forma. Com força de vontade e muita batalha, todo mundo chega onde quer, todo mundo conquista o impossível. Então, bons estudos e muita sorte. Nos vemos por aí, em algum hospital da vida!

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