terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Creatina para hipertrofia muscular: suplementar ou não?

Há uma grande variedade de marcas de creatina disponíveis no mercado

Tudo o que você precisa saber sobre a creatina para começar a usá-la corretamente

            Para quem é um visitante assíduo de academias, a creatina dispensa apresentações. Certamente, se você nunca a usou, conhece alguém que já tenha suplementado com ela. Nas prateleiras de lojas de suplementação, há opções de diversas marcas que anunciam benefícios milagrosos, como aumenta da força muscular, diminuição da fadiga e queima de gordura.
           
            Mesmo que seja tão famosa, há muitos preconceitos (injustificados) considerando o seu uso. Como todo suplemento, a creatina é alvo de acusações. Os mais ortodoxos não irão tardar a apontar o dedo para um pote de creatina monohidratada e acusar o suplemento de ser um veneno para os rins. Afinal, a creatina faz mal a saúde? O objetivo desse artigo é revelar o universo de conhecimento que se esconde por trás do preconceito e sanar as dúvidas daqueles que desejam suplementar com creatina de modo eficaz.
           
É mesmo segura?
            A creatina não é um veneno. E isso é uma tremenda "sorte", pois a creatina é naturalmente produzida por nós. O principal local de síntese é o fígado, a partir de três aminoácidos: arginina, glicina e metionina. Além disso, está presente em carnes e peixes. A carne vermelha, por exemplo, contém cerca de 4g de creatina por quilo. A creatina é também um dos suplementos de musculação mais estudados: a literatura sobre ela é extremamente vasta. Conhecemos a creatina e seus efeitos ergogênicos há mais de um século. Ainda mais recentemente, o potencial terapêutico da suplementação com creatina a fim de tratar várias doenças metabólicas, neurológicas, endócrinas, dentre outras, vem sendo investigado.

            Contudo, apesar de geralmente segura; ninguém pode afirmar com confiança que a suplementação a longo prazo seja saudável ou mesmo eficaz. É por isso que se recomenda fazer uso de ciclos, ao invés de utilizá-la diariamente por períodos longos. É claro que altas doses de creatina (por exemplo, 20g diariamente) irá fazer com que os rins tenham que trabalhar mais para filtrá-la. É inteligente consumir bastante água ao tomar altas doses, muito embora os efeitos nefrotóxicos jamais tenham sido de fato ligados diretamente a creatina.

Como a creatina funciona?
Produzida no fígado por meio da GAMT, a creatina é levada pelo sangue até às fibras musculares.
Nelas, tem um papel fundamental na manutenção da homeostase energética, através da regeneração do ATP

            A creatina, tanto produzida quanto consumida, irá chegar à corrente sanguínea. A partir daí, atinge em especial as células da musculatura esquelética e cardíaca. O segredo para entender a creatina é que ela só servirá para algumas fibras musculares.

            Todas as fibras musculares são capazes de se contrair e relaxar. É isso que garante os movimentos musculares. Mas, para serem capazes de realizar o trabalho mecânico (por meio do sistema excitação-contração), as fibras musculares necessitam de muita energia. Essa energia é produzida pela própria célula muscular, quando esta quebra uma molécula altamente energizada: o trifosfato de adenosina, ATP. Na quebra, o fosfato é separado do ATP, que vira ADP (difosfato de adenosina). Essa reação libera uma grande quantidade de energia. O problema é que essa reserva energética é limitada. O estoque de ATP tem que ser continuamente mantido a fim de que haja energia para a contração muscular.

            As fibras musculares usadas ao lidarmos com halteres e a maioria  dos aparelhos da academia são ditas anaeróbicas. São fibras musculares que geram movimentos rápidos e poderosos e, por isso, esgotam o ATP disponível de modo mais rápido que são capazes de repor. Então, mesmo que sejam as fibras mais velozes e mais eficientes, são as que fadigam mais rapidamente. Temos ATP suficiente para cerca de 2-3 segundos de exercício físico de alta intensidade.

       
Observe, em laranja, que a reserva de ATP é rapidamente utilizada. Em seguida, entra a fosfocreatina, o metabolismo anaeróbico e, só então, o aeróbico.
            Felizmente, essas fibras musculares um meio rápido de converter o ADP em ATP. É a creatina. Por ser uma molécula positivamente energizada, a creatina tem grande afinidade com o fosfato, que é negativamente energizado. Assim, forma-se a fosfocreatina. Essa fosfocreatina é produzida nas mitocôndrias, o compartimento celular onde ocorre a formação do ATP. O grande segredo é que a fosfocreatina consegue deixar as mitocôndrias com extrema rapidez. Isso é importante, pois as fibras musculares são células grandes. É preciso cobrir a grande distância entre o sítio de produção de ATP, as mitocôndrias, e o sítio de utilização, o citosol.

            Assim, a fosfocreatina chega ao citosol, onde é quebrada pela enzima fosfocreatina quinase. Libera-se fosfato e creatina. O fosfato liberado é capturado pelo ADP presente no citosol. Assim, como numa bateria, esse ADP é recarregado à ATP, que pode ser aproveitado pela célula como uma fonte energética. Já a creatina volta à mitocôndria, a fim de capturar mais fosfatos para transportá-los de volta ao citosol, onde são de fato usados. O sistema ATP + creatina fornece energia por cerca de 10 segundos para manter a contratibilidade dos músculos em exercícios supramáximos; contra os 2 segundos que o uso único do ATP garante.

O corredor de longa distância utiliza fibras musculares de tipo diferente das do sprinter. As fibras musculares de tipo II - as predominantes no sprinter -  são de contração rápida, porém mais suscetíveis à fadiga. Elas são as fibras que tem potencial para hipertrofiar. O maratonista utiliza fibras de tipo I, que são de contração lenta, mas garantem um esforço prolongado. Essas fibras gastam o ATP e o repõem via respiração aeróbia numa proporção adequada à manutenção do esforço muscular

            Em seguida, inicia-se o uso de uma última estratégia: a fermentação láctica. É um processo químico anaeróbico que ocorre no citosol das células. A vantagem é que ele é capaz de liberar ATP rapidamente, o que permite a manutenção do esforço físico. No entanto, há também liberação de um produto nada agradável: o ácido láctico, que é tóxico. O sistema nervoso detecta os altos níveis de ácido láctico na musculatura, o que é responsável pela sensação de fadiga muscular que nos obriga a pausar o esforço até que o sistema aeróbico de formação de ATP nas mitocôndrias seja restabelecido.

            Em corredores de longa distância e triatletas, a história é bem diferente das de corredores de 100 metros rasos e halterofilistas. Os níveis de ATP e fosfocreatina são constantes em maratonistas. Eles não realizam um esforço de altíssima intensidade e é isso que permite que o ATP seja formado numa proporção quase equivalente da que é gasto. É como se as dívidas fossem sendo pagas durante o exercício. E assim é possível correr por sessenta minutos sem parar, por exemplo. As contrações musculares podem não ser tão vigorosas e velozes quanto às dos corredores de 100 metros rasos, mas são altamente resistentes à fadiga.

Meus estoques de fosfocreatina aumentam com a suplementação?
            Sim. Suplementação com creatina garante um aumento de cerca de 20% nas taxas de fosfocreatina presentes no músculo. Ter mais fosfocreatina no músculo significa que mais ATP será formado a partir de ADP no citosol dos miócitos. Haverá, com isso, uma produção mais rápida de ATP nos músculos durante exercícios de alta intensidade, o que garantirá o prolongamento dos mecanismos excitação-contração por mais alguns segundos. Isso garante ganhos em força, velocidade e desenvolvimento muscular.

Quem pratica corrida pode se beneficar da creatina?
            Não há evidências que sugiram isso. Suplementar com creatina é apenas benéfico para os que utilizam fibras musculares do tipo II, aquelas anaeróbicas, de contração muito rápida. Para quem pratica exercícios aeróbicos, não há diferença alguma.

            Por exemplo, cientistas produziram ratos transgênicos que não expressavam a enzima GAMT, necessária para a síntese de creatina. Comprovou-se que esses ratos tinham menor capacidade de manter os níveis de ATP no músculo cardíaco quando submetidos a exercícios intensos. Eram mais suscetíveis, portanto, à isquemia. No entanto, os ratos deficientes de creatina não apresentaram declínio em eficiência nos exercícios de intensidade leve e moderada, caso dos aeróbicos.

Qual creatina tomar? Quanto tomar?
Esquema mostrando a localização da fibra muscular (miócito), que se beneficia da suplementação com creatina

            A creatina do tipo monohidratada é a mais usada em estudos e é a mais recomendada, por ser comprovado que é eficaz. Não é degradada durante a digestão e é facilmente absorvida pelo tecido muscular. A creatina monohidrata é a opção mais eficaz e também a mais barata.
           
            O protocolo dos estudos utilizando creatina que mostram os benefícios da creatina para exercícios anaeróbicos é quase sempre o mesmo. Utiliza-se uma alta dosagem de creatina, de 20 gramas, por cinco dias. Isso garante um grande e rápido aumento percentual da creatina no tecido muscular. Os resultados podem ser notados, desse modo, a curto prazo.

            Em seguida, mantém-se o estoque máximo de creatina utilizando 3g por dia. É importante tomar tal dose mesmo nos dias em que não se vai à academia, pois um adulto saudável de 70kg irá eliminar naturalmente 2g de creatina por dia.
           
Quando parar de tomar creatina?
            Sugere-se que, após algumas semanas, haja uma pausa na tomada de creatina. Não há estudos sobre os efeitos de seu uso prolongado. De qualquer modo, tomar creatina por muito tempo ou em altas doses por muito tempo não é eficaz. 

A creatina é absorvida por receptores específicos, que ficam na superfície da fibra muscular. Eles são a porta de entrada da creatina no tecido muscular. Acontece que, quando há um excesso de creatina no sangue, ocorrerá diminuição (alguns dizem de até 33%) na quantidade desses receptores. Há um limite máximo para a entrada de creatina no músculo. Então, com o uso em altas doses e/ou de modo prolongado, a creatina (e o dinheiro gasto em suplementação) acabará na urina.

Antes ou depois do treino?
            Não importa. A creatina irá se acumular no tecido muscular com o tempo e é isso que produzirá os seus resultados benéficos. No entanto, estudos mostram que a creatina é mais bem absorvida quando tomada junto de carboidratos.
           
            Após exercícios físicos, há uma queda no glicogênio muscular. A reposição desse glicogênio com carboidratos de rápida absorção irá auxiliar na recuperação das fibras musculares. E, consumindo também a creatina, sua absorção pelos miócitos será muito mais eficiente. Assim, matam-se dois coelhos com uma só cajadada.

Posso utilizar creatina para queimar calorias?
            Sim. A creatina auxilia a resistência muscular. Desse modo, haverá um esforço maior na academia em exercícios anaeróbicos, com mais gasto energético. Também, se utilizada corretamente, a creatina irá auxiliar o desenvolvimento de massa muscular. Quanto mais músculos, maior o gasto energético, mesmo que horas após os exercícios físicos. A creatina também faz com que os miócitos retenham água, o que acelera ainda mais o metabolismo das fibras musculares.

A creatina engorda?

            De modo paradóxico, sim. Apesar de promover maiores gastos energéticos, a creatina faz com que as fibras musculares retenham água e isso poderá aumentar a massa corporal. No entanto, como foi dito acima, é por esse mecanismo que a creatina acelera o metabolismo. Ela ajuda a construir músculos - e um quilo de músculo gasta mais energia que um quilo de gordura. Assim, junto da nutrição adequada, a tendência é que haja crescimento da massa muscular e decréscimo na massa gorda.

Sou vegetariano. Devo suplementar com creatina?
            A creatina pode ser sintetizada pelo próprio corpo, a partir de três aminoácidos. No entanto, a produção endógena costuma não ser suficiente: é complementada com a creatina obtida na dieta. A principal fonte é a carne.

            Tanto vegetarianos e veganos, segundo vários estudos, possuem níveis de creatina menores que onívoros na urina, no sangue e no tecido muscular. Eles são, em geral, deficientes em creatina. Por causa da eliminação das principais fontes de creatina na dieta, a suplementação com creatina é necessária em vegetarianos e veganos.

            Os vegetarianos, como é possível imaginar, apresentam resultados melhores ao suplementar com creatina do que onívoros. Um estudo de 2003, feito no Canadá, separou 18 vegetarianos (incluindo 3 veganos) e 30 não-vegetarianos. Os dois grupos passaram por uma loading phase (suplementando com altas doses de creatina) e uma maintenance phase (suplementando com doses menores de creatina). Nos dois grupos, parte dos voluntários tomou placebo. Todos eles foram submetidos à uma rotina de musculação.

            Após 56 dias, os resultados foram os seguintes: vegetarianos que consumiram creatina aumentaram em 2,4kg a massa muscular; contra 1,9kg de não-vegetarianos que consumiram creatina. Os vegetarianos foram os que mais aumentaram seus níveis de creatina. Isso reforça a ideia de que os vegetarianos apresentam resposta maior à creatina. O peso máximo no supino aumentou, em média, em 15.9kg nos que tomavam creatina contra 8.7kg nos que não tomavam; o que é mais uma evidência que sustenta a eficácia da creatina em exercícios de força (anaeróbicos).

É verdade que a creatina aumenta a inteligência?
            Alguns estudos propõem que a creatina melhora a cognição de seus usuários. Apesar de muitas controvérsias nesse sentido; esse estudo de 2011 diz: "em vegetarianos, ao contrário dos onívoros, a suplementação com creatina resultou em melhor memória". O estudo  também demonstrou que a velocidade de processamento das informações foi menor tanto em vegetarianos quanto em não-vegetarianos. Um estudo, em 2003, já havia encontrado resultados semelhantes, mostrando melhoras em atividades mentais que requerem respostas rápidas.

De fato, apesar de seu pequeno tamanho, o cérebro usa 20% de toda energia do corpo. Como a fosfocreatina é uma fonte de combustível extra, isso poderia explicar os efeitos cognitivos benéficos. No entanto, mais estudos são necessários nessa área.

            A creatina disponível em lojas de suplementação é totalmente sintética, sendo uma opção eficaz para vegetarianos e veganos.

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