quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Ácidos nucleicos: a linguagem da vida

O que todos nós temos em comum?

O mundo transborda com a diversidade da vida. Pense que você está fazendo uma caminhada por um bosque. Diferentes organismos, das mais diversas espécies nomeadas e catalogadas pelo homem, estão ali interagindo. Basta colocar as lentes de um biólogo e aguçar o olhar: árvores lhe protegem do calor do sol, criando sombras aqui e ali. Ao mesmo tempo, essas árvores oferecem seus frutos ricos em açúcares para pássaros famintos. Elas não fazem isso por serem bondosas: os pássaros, ao comerem os frutos, acabarão espalhando as sementes que estavam neles. O fruto trata-se, portanto, de uma elegante estratégia das angiospermas a fim de perpetuar a espécie.  


Continue sua caminhada e observe: as vacas comem capim, que é rico em celulose. O homem não pode digerir a celulose, mas as vacas e outros ruminantes conseguem. O segredo está em formas de vida ainda menores que habitam seus estômagos: bactérias que possuem enzima celulase. Essa enzima é capaz de quebrar a celulose em partes aproveitáveis para a vaca. 


Agora, vamos olhar para animais bem pequenos. Perto da superfície, é fácil notar formigas-cortadeira carregando pedacinhos de folha de modo bem organizado em direção ao seu formigueiro. Longe do alcance do olhar,  nos “jardins subterrâneos” habilmente arquitetados, os pedaços de folha não servem de alimento para as formigas, mas sim para fungos Leucoagaricus gongylophorus. Em troca, ele oferece pedaços de suas hifas para as formigas se nutrirem.

Formiga
O que as árvores, o pássaro, a vaca, as bactérias, as formigas, os fungos e você têm em comum? Todos eles são formas de vida, você irá responder corretamente. Mas o que nos permite classificá-los como estruturas vivas? Você mesmo pode responder, em parte, ao lançar um olhar crítico comparando a si mesmo com a vaca, o pássaro e a formiga. Não há um abismo tão grande entre nós, outros mamíferos, aves e insetos do ponto de vista evolutivo. Todos nós possuímos um sistema circulatório que irriga a maior parte das células do corpo, levando os nutrientes digeridos pelo sistema digestório e o oxigênio absorvido pelo respiratório. Esses nutrientes chegam até às células do tecido nervoso e do tecido muscular, por exemplo, (e, sim, as formigas também têm tais tecidos!). A partir daí, o sistema nervoso dos quatro animais dessa história pode disparar mensageiros químicos que estimulam as células fibras musculares estriadas. Os quatro possuem actina e miosina que, após o estímulo do SNC, irão usar o ATP que eles produziram em suas mitocôndrias para coordenar seus movimentos.

A história não é a mesma para as árvores. Somos muito diferentes da árvore, da bactéria e do fungo. Não há como traçar as mesmas comparações anatômicas e funcionais que fizemos com os metazoários no parágrafo acima. No entanto, se você pudesse levar todo esse cenário para debaixo das lentes de um grande microscópio e você finalmente notará a tremenda semelhança: todos os personagens dessa história são formados por células - que guardam certas semelhanças entre si. Ou, senão células, célula, assim mesmo: no singular: a bactéria só tem uma. Essa é uma noção, por si só, bem curiosa: nós somos feitos por trilhões de células, que interagem entre si e com o meio extracelular onde estão imersas.  Mas seres vivos não precisam ter uma rede tão intricada de conexões intercelulares. A bactéria é uma célula única, isolada, extremamente pequena, e essa estrutura recebe o diploma de ser vivo. Nesse caso, o ser vivo é uma célula. 

No fim das contas, todos os indivíduos são constituídos por células (ou célula). Não se trata de uma afirmação muito recente. A  Teoria Celular, que é o alicerce da Citologia, afirma isso desde meados do século XIX. A Teoria Celular é, inclusive, um entrave para classificar os vírus como seres vivos (um debate longe de ser resolvido no campo da Biologia). Os vírus não tem célula, mas tem algo muito importante: um material genético. E praticamente (hemácias são exceções) todas as células são formadas por material genético: o DNA e RNA. O DNA, o ácido desoxirribonucleico, é onde toda a informação hereditária necessária para manter a célula viva está armazenada. Nos eucariontes, ele se localiza no núcleo da célula. Nos procariontes, como as bactérias, o DNA fica disperso no citoplasma.

Estrutura do DNA. Observe a interação entre as bases nitrogenadas e o "esqueleto" do DNA, que garantem seus aspectos em forma de uma escada caracol: essa parte é formada por grupos fosfato e açúcares desoxorribose que interagem entre si. Modelo de Watson , Crick, Wilkins e Franklin - cientistas que, em 1953, desvendaram a estrutura do DNA.

Não faz muito tempo que conhecemos a icônica geometria espacial do DNA, a molécula que tem o código para formar todos os seres vivos conhecidos. Tratou-se da descoberta mais importante dos últimos 100 anos na Biologia - alguns dizem. Rendeu um prêmio Nobel para Watson, Crick e Wilkins, alguns dos cientistas que solucionaram o mistério sobre a geometria de uma das macromoléculas mais importantes do mundo.

O DNA parece uma escada de caracol. No entanto, trabalhemos o lobo direito do cérebro - nossa parte mais abstrata - e imaginemos que os degraus dessa escada são formados por dois blocos de concreto que se encaixam perfeitamente. Dois blocos de Lego, se você preferir! Esses blocos de Lego são as bases nitrogenadas e só há de quatro tipos: adenina (A), timina (T), citosina (C) e guanina (G). E tais peças interagem de uma forma peculiar: havendo adenina de um lado, haverá timina no outro. E, havendo citosina de um lado, haverá guanina de outro. As ligações são do tipo ligações de hidrogênio (lembre de seu professor de química inorgânica: são aquelas ligações bem fortes formadas entre átomos de hidrogênio e oxigênio ou nitrogênio ou flúor). Desse modo, essas peças de Lego se encaixam de apenas duas formas, formando os degraus de nossa escada. 




As fitais originais (em azul) são separadas pela DNA polimerase. Em seguida, as bases nitrogenadas correspondem são atraídas à fita original, formando as fitas em verde, totalmente novas. Dessa forma, a informação genética pode ser copiadas.


Essa combinação específica A-T e C-G é que confere ao DNA a capacidade de armazenar e transmitir as informações geração após geração. Como as bases nitrogenadas tem essa afinidade tão peculiar, torna-se mais fácil “construir” outras fitas a partir de uma fita de modelo. Funciona assim: basta apenas que uma enzima separe as duas fitas de DNA, tal qual um zíper. Desse modo, os degraus da escada são todos rompidos ao meio e as pecinhas de Lego se desencaixam.

 Em seguida, se tivermos peças de Lego novas - ou seja, uma coleção nova de bases nitrogenadas, as interações químicas cuidarão do resto: a timina sempre se ligará à adenina; e a citosina sempre se ligará à guanina. Dê uma olhada na foto acima. Desse modo, formam-se novas fitas de um modo semiconservativo: uma fita será nova e, a outra, será a mesma fita anterior, que serviu apenas como o “encaixe” para a fita nova. É o processo de replicação do DNA. A enzima que separa as duas fitas de DNA é a DNA polimerase.


A sequência de degraus não é aleatória. As bases nitrogenadas podem formar genes, unidades hereditárias que codificam uma proteína -- moléculas importantíssimas que regulam e realizam todas as funções do corpo. A diferença entre os seres vivos (e seres humanos) depende, na maior parte do tempo, de quais proteínas são ou não expressas; ou o quanto são expressos. Seus olhos provavelmente não são azuis: isso é porque você tem proteínas que estimulam a síntese de melanina na íris. Algumas pessoas tem diabetes tipo I porque sintetizam uma proteína que age como um anticorpo contra as células produtoras de insulina. Outros tem fenilcetonúria: não expressam a proteína que digere a fenilalanina. Tudo tem a ver com a proteína, e as instruções para fazê-las depende da tradução da sequência das bases nitrogenadas - a "receita". 


Observe que os grupamentos carboxila dos fosfatos interagem com os grupos álcool da desoxirribose. Essas ligações unem os nucleotídeos numa mesma fita e dão mais "consistência" ao DNA.
Nem só de bases nitrogenadas, porém, são formadas as instruções genéticas, na forma de DNA. Apesar de ser a sequência de tais bases que realmente codificam os genes e, portanto, como será o indivíduo – se teremos uma bactéria, fungo, planta, inseto, pássaro, vaca ou homem – o DNA só se mantém uma estrutura coesa porque existem ligações fosfodiéster unindo fosfato e desoxirribose. Lembre-se, agora, da química orgânica: um éster é formado quando reagimos um álcool com o ácido carboxílico, com a saída de água. Nesse caso, o fosfato serve como um diácido e a pentose acima e abaixo dele, como álcool cada uma.

Nas células, há também uma estrutura semelhante, o RNA. Trata-se também de um ácido nucleico, formado por nucleotídeos. No entanto, ele difere do DNA em algumas formas: trata-se de uma fita única, o açúcar é a ribose, não desoxirribose e a base nitrogenada timina é substituída por uracila. Essas pequenas modificações químicas tornam o RNA menos estável que o DNA. 

O DNA serve como um modelo não só para fazer cópias de si mesmo, na transcrição, como já vimos. Além disso, ele pode ser transformado em RNA. As informações genéticas numa fita de DNA servem para codificar a fita de RNA, um ácido nucleico, digamos “descartável”. O RNA mensageiro formado a partir do DNA tem instruções para formar as proteínas. Ele é o veículo que carrega as informações do DNA temporariamente. Ele age em conjunto com o RNA transportador e os ribossomos (formados pela última forma de RNA, o RNA ribossômico) para sintetizar proteínas. Esses processos, a transcrição e a tradução são as etapas para que a célula fabrique as proteínas. Pela sua complexidade e importância (constituem o "Dogma Central da Biologia" - não é todo dia que as ciências arrogam possuir dogmas!)

Ácidos nucléicos, de qualquer modo, são perfeitos para guardar as informações que instruem como será cada ser vivo, da mais simples bactéria ao mais complexo dos animais. E, como são facilmente copiados, apresentam uma vantagem hereditária incrível. O sucesso deles é tamanho que não conhecemos nenhuma forma de vida que não contenha ácido nucleico. No entanto, não são eles que se envolvem em milhões de reações químicas e mecânicas que permitem a continuidade da vida. Quem realmente faz todo o trabalho pesado nas células: o metabolismo de energia, a quebra de moléculas, a catálise de reações químicas, a proteção contra bactérias e vírus, a síntese de diversas substâncias e a excreção de produtos tóxicos são as proteínas. Mas, sem ácidos nucleicos, não haveria formação de proteínas: o código para formá-las estão, como foi dito, nos genes. E uma pequena alteração na sequência de bases nitrogenadas, ou seja, os degraus do Lego, pode ser fatal. 



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