domingo, 21 de dezembro de 2014

Cafeína: compreendendo a droga psicotrópica mais usada no mundo

Texto escrito por Neil Majithia no Journal of Young Investigators
Tradução livre
A cafeína é legalizada no mundo inteiro.

            Seja consumindo-a numa xícara de café bem quente no café-da-manhã ou numa bebida energética depois do almoço, o mundo é viciado em cafeína. De acordo com um estudo feito pela revista New Scientist, 90% dos adultos da América do Norte tomam cafeína diariamente, o que torna essa substância legal e psicotrópica a droga mais utilizada no mundo. Seu uso muito difundido, adicionado à falta de qualquer valor nutricional, deflagrou a reprovação daqueles que defendem dietas rigorosas. Eles condenam a cafeína tal como se esta fosse um composto demoníaco. Mas a partir de que ponto as visitas à cafeteria podem ser consideradas atividades pecaminosas? Enquanto as pesquisas sobre a cafeína acabam mostrando evidências conflituosas, o único consenso que se tem parece ser o antigo chavão do "tudo em moderação".
           
            A cafeína é um composto químico naturalmente encontrado em sementes (café, cola), folhas (chá mate) e frutas (cacau), além de outras mais de 60 plantas. No seu ambiente natural, atua como um pesticida orgânico, pois protege as plantas de insetos parasitas. Quando consumida por humanos, atua estimulando o sistema nervoso central (SNC) e, assim, espanta a sensação de cansaço e promove a acuidade mental. Os prazeres da cafeína, que é uma substância considerada legal por governos de todo o mundo, é responsável pelo sucesso de produtos domésticos, como o café, refrigerantes, bebidas energéticas e mesmo medicamentos.

Inibição competitiva: o modus operandi da cafeína
Por meio da inibição competitiva, a cafeína "engana" o cérebro
            Quando você sente sono é por causa de moléculas chamadas de adenosina (trata-se de um nucleosídeo: a adenina ligada a uma ribose)     que viajam pelo seu cérebro. A adenosina se liga a seus receptores proteicos específicos na membrana dos neurônios. Isso desacelera a condução de impulsos nervosos e induz a sonolência. A concentração de adenosina é mais alta no cérebro quando você já gastou muita adenosina trifosfato, ATP, que é a forma de energia mais usada pelas células. É a adenosina formada na quebra do ATP que faz com que você se sinta cansado após trabalhar durante todo o dia ou correr longas distâncias.

            Agora vamos trazer a cafeína para a equação. A chave para entender o potencial estimulante da cafeína está em sua estrutura química, que é muito similar a da adenosina. Os compostos proteicos que flutuam na membrana plasmática dos neurônios não conseguem diferenciar a cafeína da adenosina, de modo que a primeira consegue se ligar a tais receptores.

            No jargão científico, esse processo é chamado de inibição competitiva, uma vez que a cafeína compete com a adenosina pelos seus receptores proteicos. Para fins didáticos, pode-se pensar neste fenômeno bioquímico como uma "dança da cadeira" entre as moléculas, que competem pelos assentos presentes nos neurônios. As leis da probabilidade garantem que quanto maior a razão cafeína/adenosina, maior a quantidade de "cadeiras" que a cafeína irá ocupar – e maior o impacto daquele expresso tomado ao fim do dia.
           
A hipófise controla diversas outras glândulas do corpo, como as adrenais e a tireóide

            Mas o que importa se a cafeína roubar algumas cadeiras da adenosina? É que a cafeína é um antagonista da adenosina. Assim, quando a cafeína ocupa o sítio ativo de receptores nos neurônios, ela não desacelerará os impulsos nervosos tal qual a cafeína. Pelo contrário: irá fazer com que esses neurônios disparem seus impulsos nervosos ainda mais rapidamente. Aí que entra a glândula pituitária (hipófise), uma glândula endócrina situada na base do cérebro. Ela percebe que os impulsos nervosos estão muito rápidos e faz a seguinte interpretação: o cérebro está num estado de emergência. A fim de auxiliar o corpo a enfrentar quaisquer perigos, a hipófise estimula o sistema nervoso simpático, causando a liberação de epinefrina (mais conhecida como adrenalina). O sistema nervoso simpático é responsável pelas respostas de "fuga ou luta". É o aparato que o corpo usa quando precisa lidar com momentos de estresse: aumenta-se o ritmo cardíaco, a glicogenólise hepática aumenta, o que eleva a disponibilidade de glicose para que as células usem como fonte de energia. Esses são os efeitos que rendem tantos fãs para a cafeína.

            Um pouco de senso comum nos dirá que simular continuamente um estado de emergência não pode ser bom para a saúde. É isso que rende tantas críticas para a cafeína. No entanto, como muitas vezes ocorre com tópicos ligados à saúde, apenas senso comum não é suficiente para tirar conclusões definitivas.

Impacto da cafeína na saúde
            Quando usada em moderação, os efeitos da cafeína são bem conhecidos por muitas pessoas. Em menos de uma hora após o consumo, uma dose adequada irá causar um aumento no estado de alerta e dará energia tanto para o trabalho mental quanto físico. O uso contínuo de cafeína, no entanto, fará com que o indivíduo se torne mais tolerante à substância e os efeitos citados anteriormente se tornarão menos acentuados. A tolerância pode ser explicada pelo desenvolvimento de mais receptores de adenosina no cérebro, a fim de se adaptar a presença frequente de cafeína. Isso tornará o corpo mais sensível à adenosina, reduzindo os impactos da administração da cafeína.

            Mais significante ainda são os efeitos experimentados quando não há cafeína alguma no corpo. Mais adenosina irá se encaixar em mais receptores, o que irá aumentar seus efeitos sedativos.

            Por exemplo, a adenosina naturalmente causa vasodilatação e, com isso, aumenta o fluxo de sangue. Havendo aumento na densidade de receptores de adenosina, haverá uma vasodilatação extrema, em especial das artérias que irrigam o cérebro. Isso produzirá efeitos como dores de cabeça e náusea.

            Como a cafeína, reconhecidamente, estimula a produção de serotonina, um neurotransmissor que regula o humor, raiva e agressividade. A queda acentuada de serotonina na abstinência de cafeína irá causar efeitos indesejáveis como irritabilidade, ansiedade, falta de concentração. Isso fará com que o usuário consuma mais cafeína para aliviar tais efeitos, o que resolve o problema apenas temporariamente. Em casos severos, esse ciclo vicioso pode levar o usuário à depressão.

            A maior parte dos consumidores de cafeína não experimenta esses problemas porque seu consumo de cafeína não é alto o suficiente para causar complicações. Como foi dito anteriormente, o uso moderado da cafeína é considerado seguro, e, possivelmente, até mesmo um hábito saudável. Os dados são poucos e inconclusivos, mas já há pesquisas que sugerem que a cafeína pode ajudar a melhor a memória, afastar o mal de Parkinson, assim como reduzir o risco para problemas cardíacos. O modo como a cafeína produz tais efeitos benéficos não é bem compreendido ainda e, portanto, requer mais estudos.
           
            O moral de toda essa história é que o que ingerimos não pode ter unicamente efeitos positivos ou unicamente efeitos negativos. A bioquímica corporal é muito complexa, com conexões intrincadas que unem os mais diversos órgãos. A engenhosidade do corpo humano explica porque tudo que consumimos tem efeitos primários, secundários e mesmo terciários. Não é diferente com a cafeína. A substância psicotrópico que mantém o mundo inteiro acordado pode ser desde um remédio até um veneno: tudo depende de como é utilizada.

Um comentário:

  1. gostei muito do post, vai me ajudar muito no meu trabalho sobre a descafeinação do café.

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