quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Emergências em Diabetes Mellitus

Emergências continuam a ser importante causa de morte prematura em pacientes com diabetes. Incluem os comas diabéticos (hipoglicemia, cetoacidose diabética severa, hiperglicemia hiperosmolar, acidose lática), cirurgias de emergência e infarto do miocárdio.

Coma diabético
O nome pode não ser tão apropriado, uma vez que muitas pacientes apresentam-se sonolentos ou com estupor, mas não comatosos. Informações clinicamente úteis incluem estado de hidratação, pressão arterial, pulso, estado da pele e temperatura corporal.

Coma hipoglicêmico
Dificilmente, apresentarão-se desidratados. A pele é fria, úmida e pegajosa. O pulso é mais rápido e são normotensos. O diagnóstico é feito pela glicemia capilar. É comum entre pacientes tratados com insulina ou com sulfonilureias, como glibencamida. Refeições perdidas ou atrasadas, ou exercício intenso são as principais causas entre insulinodependentes.

O tratamento clássico consiste na infusão endovenosa de glicose, 20 mL a 50%, em bolus. Logo após, carboidrato via oral ou infusão contínua de glicose a 10% (100 a 200 mL por hora conforme leitura de glicemia).

Outra possibilidade é o uso do glucagon, que pode ser dado intramuscular ou endovenoso. A dose padrão é de 1 mg, mas menores são adequadas. Esse hormônio irá mobilizar o glicogênio hepático, efeito que é pouco duradouro. Portanto, glicose via oral deve ser o próximo passo. É especialmente útil quando há dificuldade em obter o acesso do paciente.


Cetoacidose diabética
Uma das complicações metabólicas agudas mais sérias da diabetes. Trata-se de uma perturbação metabólica que consiste em três alterações em paralelo: alta concentração de glicose sanguínea, alta concentração de corpos cetônicos e acidose metabólica.

Na maior parte das vezes, acomete pacientes com diabetes tipo 1, mas muitos pacientes com diabetes tipo 2 podem desenvolver cetoacidose sob condições médicas ou cirúrgicas estressantes (isto é, em cenários de estresse orgânico). Na maior parte das vezes, há uma infecção subjacente que configura-se como fator precipitante. Não adesão à terapia insulínica, estresse psicológico, cirurgia, trauma e isquemia miocárdica são outros fatores de risco.

Patogênese
A cetoacidose diabética é caracterizada por hiperglicemia descontrolada, acidose metabólica e aumento da concentração de corpos cetônicos circulantes. A cetoacidose é resultado da ausência absoluta ou relativa (isto é, por ineficácia em sua ação) da insulina e, ao mesmo tempo, da elevação dos chamados hormônios contrarreguladores (glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio do crescimento).

A insulina tem ações anabólicas e anti-catabólicas. Por exemplo, impede a quebra de glicogênio hepático para a formação de glicose (o que elevaria a glicemia) e, ao mesmo tempo, aumenta o anabolismo proteico, a captação hepática e periférica de glicose e seu depósito na forma de glicogênio. Inibe também a lipólise e a cetogênese. Os hormônios contrarreguladores opõem-se a essas ações tanto no fígado quanto nos tecidos periféricos, alterando a deposição de glicose e também elevando a quebra de gordura para a produção de corpos cetônicos.


O mix de ausência de insulina e elevação de hormônios contrarreguladores gera aumento da quebra dos estoques de glicogênio e elevação da glicose sanguínea, com baixa captação hepática e periférica. A hiperglicemia promove uma diurese osmótica, levando à hipovolemia e redução da taxa de filtração glomerular. Isso agrava ainda mais a hiperglicemia.

A deficiência de insulina combinada à elevação de catecolaminas e cortisol eleva a quebra dos estoques de triglicerídeos, com a liberação de grande quantidade de ácidos graxos, que serão oxidados no interior de mitocôndrias, gerando corpos cetônicos (processo mediado pelo glucagon).

Fatores precipitantes
A cetoacidose diabética pode ser o momento de diagnóstico de pacientes com DM1. Em pacientes que já sabem ter diabetes tipo 2, infecções, outras comorbidades, estresse psicológico e má adesão terapêutica podem ser os fatores precipitantes do quadro metabólico. Entre as infecções, especial atenção à pneumonia e ITU. Abuso de álcool, trauma e infarto de miocárdio também merecem citação.

Medicamentos também podem precipitar crises de cetoacidose. É o caso dos antipsicóticos como olanzapina e risperidona e também uma nova classe de antidiabéticos oral, os inibidores do cotransportador de glicose e sódio 2. São agentes hipoglicemiantes que impedem a reabsorção de glicose no túbulo proximal.

Diagnóstico
Sinais e sintomas
Incluem os sintomas típicos de hiperglicemia, como poliúria, polidipsia e perda de peso. São em geral encontrados por vários dias antes do desenvolvimento da cetoacidose. Fraqueza, náusea, vômito e dor abdominal são também encontrados - a última sem causa bem elucidada.

Ao exame físico, revelam-se sinais de desidratação, como perda do turgor da pele, membranas mucosas secas, taquicardia e hipotensão. O estado mental pode variar do alerta total até à letargia profunda; mas cerca de 20% dos pacientes são hospitalizados com perda da consciência. Hálito cetônico e respiração de Kussmaul são presentes em especial nos pacientes com acidose metabólica severa.

Achados laboratoriais
O achado crucial é uma elevação da concentração de corpos cetônicos totais circulantes (exame que não é extremamente disponível, sendo por vezes a cetose inferida pela cetonúria). Ainda, como a doença é caracterizada pela tríade cetose, acidemia e hiperglicemia, esses dois últimos achados também são importantes na investigação laboratorial. Glicemia acima de 250 mg/dL, pH menor que 7,3 e bicarbonato sérico menor que 15 mEq/L.

O acúmulo de cetoácidos como o beta-hidroxi-butirato resultado em acidose metabólica com aumento de anion gap [Na - (Cl + HCO3].

Outros achados laboratoriais que auxiliam na investigação incluem a leucocitose com desvio à esquerda (sugerindo uma infecção bacteriana); sódio corrigido (frequentemente, há hiponatremia) e hipercalemia (fluxo de K+ do intra pro extracelular devido a fatores como a acidemia). A correção do sódio é feita adicionando-se 1.6 mg/dL a cada 100 mg/dL de glicose acima de 100 mg/dL. Demais eletrólitos, fósforo, magnésio, pH venoso, creatinina, ureia e glicose devem ser medidos a cada 4 horas. E glicemia capilar a cada 1 - 2 horas.

Tratamento
Em linhas gerais, o tratamento requer frequente monitorização dos pacientes, correção da hipovolemia e da perturbação metabólica, além da busca diligente pelo fator precipitante.

Fluidoterapia
Os pacientes com cetoacidose tem depleção de fluidos e necessitam de ressuscitação volêmica agressiva para restaurar o volume intravascular e a perfusão renal. Em geral, solução salina isotônica pode ser infundida a 500 - 1000 mL/hora durante as primeiras 2 horas. Depois da correção da depleção intravascular, a infusão deve ser reduzida a 250 mL/hora.

Uma vez que a glicemia atinga 250 mg/dL, o fluido de reposição deve conter 5 a 10% de dextrose.

Insulinoterapia
A insulina tem efeito hipoglicemia por aumentar a utilização periférica de glicose e ao mesmo tempo reduzir a produção hepática de glicose. Ao mesmo tempo, inibe a lipólise e, portanto, produção de ácidos graxos para a geração de corpos cetônicos. Dessa forma, a insulina age em grandes problemas do paciente com cetoacidose - a hiperglicemia, a acidemia e a cetose.

A droga de escolha é a insulina regular ofertada intravenosa. A recomendação da Associação Americana de Diabetes é do uso de uma dose inicial em bolus de insulina regular a 0,1 unidades / kg seguida de infusão contínua de 0,1 unidades/kg/hora até que a glicemia atinja 250 mg/dL.

Com a glicemia abaixo de 250 mg/dL, é recomendada a adição de dextrose aos fluidos intravenosos e a insulina deve ser dada a concentração de 0,05 unidades/kg/hora. Diz a Associação Americana de Diabetes que:
Portanto, a velocidade da administração de insulina deve ser ajustada para manter a glicemia a aproximadamente 150  a 200 mg/dL - e continuada até a resolução da cetoacidose. A resolução da hiperglicemia leva cerca de 4 a 6 horas, mas a resolução da cetoacidose dura mais tempo, aproximadamente 10 a 14 horas; assim a dextrose é necessária para manter a infusão contínua de insulina e prevenção da hipoglicemia.
Injeções subcutâneas de análogos rápidos de insulina também são alternativas factíveis no manejo da cetoacidose.

Potássio
A maior parte dos pacientes apresentam-se com níveis normais de potássio. Após a instituição da fluidoterapia e da insulinoterapia, a concentração de potássio extracelular invariavelmente cai. A insulina estimula a captação periférica de potássio, daí tornando necessária a administração de potássio para a prevenção de hipocalemia.

O objetivo é manter a calemia dentro de valores entre 4 e 5 mEq/L. Preocupa um paciente que já apresente hipocalemia à admissão. Ela pode ser agravada após o início da insulina. É por conta disso que, caso a concentração inicial de potássio seja igual ou menor que 3 mEq/L, a reposição de potássio deve ser realizada por ao menos 1 a 2 horas antes da insulinoterapia.

Bicarbonato
Raramente é usado bicarbonato. Vários estudos falharam em evidenciar benefícios, mesmo com valores de pH arterial entre 6,9 e 7,1. Ainda assim, em casos de acidose metabólica severa (pH arterial < 6,9), recomenda-se a adição de 44,6 mEq de bicarbonato por litro de soro fisiológico hipotônico.

Fosfato
Raramente, é utilizado, pois estudos evidenciaram poucos benefícios em sua aplicação - e até efeitos danosos, como hipocalcemia.

Prevenção
O risco de hospitalização futura por emergências hiperglicêmicas pode ser reduzida por meio da educação do paciente. O médico deve explicar ao paciente a importância da manutenção do tratamento com insulina e sobre o reconhecimento de sinais de risco de evolução para a cetoacidose. Com isso, espera-se prevenir recidivas.

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