terça-feira, 6 de novembro de 2018

Diarreia aguda em Pediatria: diagnóstico e tratamento



Hoje, morre-se menos por diarreia
Cerca de 30% dos óbitos preveníveis que ocorrem antes dos 5 anos de idade se devem à diarreia e à pneumonia. Felizmente, observa-se uma redução na mortalidade por diarreia e desidratação no Brasil nas últimas décadas. 

Por exemplo, em 1980, a diarreia ocupava o segundo lugar como causa de mortalidade infantil e representava 24,3% dos óbitos. Em 2005, passou a ocupar o quarto lugar, como causa de 4,1% dos óbitos. 

Atribuem-se como motivos dessa queda a melhoria das condições de saneamento da população e a divulgação de protocolos (como da OMS e do MS do Brasil) consolidando os pilares do tratamento da diarreia - terapia de reidratação e cuidados com a alimentação. Outras medidas, como recomendação de uso de zinco via oral e a inclusão da vacina contra o rotavírus no calendário de vacinação do Brasil também ajudaram a melhorar esses indicadores de mortalidade.

Definição
A diminuição da consistência das fezes é o principal parâmetro para considerar diarreia. Por definição, trata-se da ocorrência de três ou mais evacuações com fezes líquidas ou amolecidas nas últimas 24 horas. Tem início abrupto e causa presumivelmente infecciosa (por vírus, bactérias ou protozoários).

Em sua fisiopatologia, as diarreias agudas ocorrem por um desequilíbrio entre absorção e secreção de líquidos e eletrólitos - havendo grande perda desses. São quadros autolimitados, que se resolvem geralmente em uma semana.

Definem-se as diarreias desse modo:
  1. Diarreia aguda aquosa: pode durar até 14 dias e provocar desidratação e desnutrição energético-proteica, sem tratamento adequado.
  2. Diarreia aguda com sangue (disenteria): fezes sanguinolentas indicam lesão da mucosa intestinal. Pode estar associado com infecções sistêmicas e desidratação. Os principais agentes etiológicos são bactérias do gênero Shigella.
  3. Diarreia persistente: quando a diarreia aguda se estende por 14 dias ou mais. Pode provocar desidratação e desnutrição - portanto, sendo associada com elevada letalidade.
Avaliação clínica
A história clínica e o exame físico são fundamentais para traçar o plano terapêutico mais adequado. Os achados do exame clínico estão absolutamente vinculados à conduta a ser adotada. 

Anamnese
Na anamnese, deve-se questionar a duração da diarreia, a consistência das fezes, a presença de sangue nas fezes, a frequência de evacuações (número de episódios diarreicos). Idade menor que 2 meses e mais que oito episódios diarreicos volumosos em 24 horas traduzem gravidade e maior risco de complicações. Também deve-se questionar se há febre ou vômitos associados. 

Também deve-se questionar sobre os hábitos alimentares da criança e sobre casos prévios de diarreia. Ainda, as vacinas e o uso de medicamentos devem ser investigados. 

Por fim, questionar se há diurese presente (para estimar desidratação) e o peso recente, se conhecido (também para determinar a desidratação).

Exame físico
É fundamental mensurar o peso na consulta inicial - para permitir o acompanhamento e avaliação da evolução do paciente. Perda de 5% do peso traduz desidratação leve, entre 5 a 10%, desidratação moderada e acima de 10% desidratação grave.

Essa classificação proporciona uma estimativa do volume necessário para correção do déficit corporal de fluído em consequência da doença diarreica: perda de 5%, ou seja, 50 mL/Kg; de 5 a 10%, ou seja, 50 a 100 mL/Kg e mais do que 10%, ou seja, mais de 100 mL/Kg.

Além do estado nutricional, utilizam-se outros dados clínicos para inferir desidratação, como presença de sinal de prega cutânea, ausência de lágrimas nos olhos, saliva espessa, diurese diminuída, sede, pulso débil, taquicardia, taquipneia, tempo de enchimento capilar, nível de consciência, entre outros.

Quadro protocolar para avaliação, diagnóstico e conduta

Tratamento
Como visto, o grau de desidratação determina o tratamento mais adequado: plano A para paciente com diarreia, mas desidratado; plano B para paciente com diarreia e algum grau de desidratação; plano C para paciente com diarreia e gravemente desidratado. A reavaliação pediátrica deverá ser contínua.

Plano A
Tratamento no domicílio, com orientação ao responsável para manter a alimentação habitual e também aumentar a oferta de líquidos (exceto café e bebidas processadas) e de solução de reidratação oral (SRO), especialmente após a evacuação. 

Também deve-se orientar aos pais para que possam reconhecer sinais de desidratação (como piora das evacuações e/ou vômitos, sede, diminuição da diurese) e, na presença deles, buscar novamente o serviço de saúde. Também orienta-se sobre medidas de higiene na preparação de alimentos e prescreve-se zinco uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias.


Plano B
Realizado na unidade de saúde. Deve-se administrar a solução de reidratação oral (entre 50 a 100 mL/kg), durante 2 a 4 horas, após cada evacuação. A administração deve ser feita aos poucos, em pequenas quantidades, com copo ou colher. Nessa fase, devem ficar em aleitamento materno e com suspensão de outros alimentos. Deve-se iniciar suplementação de zinco.

Os pacientes devem permanecer até a reidratação completa e reintrodução da alimentação, na própria unidade. A partir daí, segue-se para o plano A. Se a desidratação evolui pra grave ou as dejeções aumentam, consideram que a terapia falhou. Então, segue-se para o plano C.


Plano C
Em casos de desidratação grave (como perda de peso maior que 10% ou falha na TRO), a correção é feita com terapia de reidratação via parenteral (reparação ou expansão). A quantidade e velocidade de infusão dependerá do peso do paciente e das perdas por evacuações. O paciente deve permanecer com reidratação venosa até que tenha condições de tolerar a alimentação e de receber líquidos via oral.

Deve-se conseguir um acesso venoso calibroso (em alguns casos, dois, como no choque hipovolêmico) para a reidratação venosa. O plano de reidratação conforme o Ministério da Saúde é:

A evolução clínica é boa quando há recuperação do peso perdido, voltando-se ao esperado para idade; redução das perdas diarreicas; e desaparecimento de sinais de desidratação (como por exemplo diurese abundante).

Cuidados com a alimentação
Além da reidratação, a manutenção da alimentação é outro pilar do tratamento da diarreia aguda. É consenso que o aleitamento materno deve ser mantido durante a diarreia. A suspensão da alimentação só ocorre durante as etapas de reidratação na desidratação vigente.

A alimentação deve ser feita conforme o hábito do paciente - sendo oportuno corrigir erros alimentares. Não há recomendação de diluição de fórmulas lácteas ou uso de fórmulas sem lactose em pacientes tratados ambulatorialmente. Em pacientes hospitalizados, fórmulas sem lactose são apropriadas.

Deve-se tomar cuidado para que sejam atendidas as necessidades energéticas da criança. Pacientes hospitalizados com diarreia persistente devem receber, conforme a OMS, 110 kcal/kg/dia. As quantidades de micronutrientes deve ser também adequada. Dieta isenta de leite pode ser empregada somente em casos selecionados de diarreia persistente.


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