domingo, 24 de junho de 2018

Aspectos psicossociais na gestação

Momento único e de profundas transformações, a gravidez exige mais do que cuidados técnicos



É uma afirmação óbvia: durante a gestação, o corpo sofre mudanças dramáticas. Há alterações fisiológicas bem descritas na literatura médica: há aumento do volume plasmático, vasodilatação periférica, aumento do débito cardíaco... O corpo se molda fisiologicamente e anatomicamente para nutrir o feto e se preparar para o parto.

Mas é bem mais que isso. Além de ser um intenso processo biofisiológico, a gestação chacoalha outras dimensões femininas - psíquicas e sociais. São nove meses de intensa transição existencial: nas primíparas, sai-se da condição de filha para assumir o papel de também mãe (para alguns autores, já durante a vida intra-uterina).

No meio desse terremoto, a mulher precisa refletir sobre o futuro e realizar rearranjos diversos: reconfigurar seu relacionamento conjugal e familiar, sua situação socioeconômica, suas atividades profissionais. A forma que a mulher encara essas mudanças é única.


Efeito borboleta: a individualidade do processo
A gestação tem um significado diferente para cada mulher. É um processo recheado de características peculiares.

Esse momento não pode ser encarado como um recorte ou uma etapa isolada da vida da mulher. Pelo contrário: a gestação, além de provocar repercussões não só na gestante, mas em toda a família, faz parte de uma cadeia de eventos, em que todas as experiências que a mulher já teve e tem tornam-o único.

A sua infância, relação com os pais e com o parceiro, seu papel na sociedade, sua cultura, o apoio que tem - financeiro, da rede de assistência pré-natal, emocional, familiar - todos são ingredientes que repercutem na gestação e na relação que a nova mãe tem com o filho que está no útero.

A gestação sob diferentes prismas
Justamente por gerar uma "crise existencial" e cada mulher lidar com as mudanças impostas de forma muito particular, a gestação pode ter muitos significados. Ela pode tanto levar ao crescimento pessoal quanto representar perigo à saúde mental. 

Numa parcela das grávidas, a crise é patológica: quando leva à desorganização da mente e da personalidade, desequilíbrio na relação do casal e uma relação inadequada com o feto.

Uma abordagem psicológica
Diante de tudo isso, uma abordagem puramente técnica em Obstetrícia é insuficiente. O médico deve potencializar sua atuação, acrescendo à sua habilidade essencial uma avaliação da paciente como pessoa - abordando sua história de vida, a forma que ela experimenta a gestação, seus medos e ansiedades.

Primeira consulta
Nesse momento, é provável que a mulher já tenha elaborado a confirmação da gravidez. No primeiro trimestre, há uma ambivalência: felicidade e preocupação. Na fase que alguns autores chamam de "duplo segredo" (a mãe não percebe os movimentos fetais, a sociedade não percebe as mudanças corporais ainda sutis da mãe), a mulher possui muitas  inseguranças - trata-se de um período de vulnerabilidade psíquica.

Cabe ao médico acolher e amparar as queixas e ansiedades da paciente, como suas dúvidas quanto à capacidade de gerar um bebê saudável  e de exercer a maternidade.

O profissional também deve investigar o contexto em que a gestação ocorreu - os apoios afetivos e familiares, o planejamento da gravidez ou não... Deve estabelecer uma relação de empatia com a paciente e também proporcionar espaço ao parceiro nas consultas.

Consultas subsequentes
As ansiedades mudam com o avanço da gravidez. É importante que o médico favoreça um ambiente acolhedor, em que a mulher tenha confiança e espaço para expressar o que experimenta.

No segundo trimestre, temos a fase de "dupla propaganda": a mulher nota os movimentos fetais e a sociedade nota as mudanças corpóreas. A concretização da presença do filho pode aumentar o encantamento materno e consolidar o vínculo materno. As mudanças corpóreas tem impacto na autoimagem. Alteram-se a libido e o desempenho sexual.

No terceiro trimestre, aumentam as ansiedades, principalmente devido ao temor do parto - da dor, sofrimento, da saúde do filho. Aumentam as queixas físicas. O médico deve fornecer informações  antecipatórias sobre o trabalho de parto: como reconhecer, evolução, quando procurar o médico, procedimentos médicos... Deve-se evitar o tecnicismo e o excesso.

Leia mais
A literatura consultada foi o texto A gravidez como um processo e suas influências na vida da mulher do Curso de Especialização - Linhas de Cuidado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e também o artigo Abordagem psicológica em Obstetrícia: aspectos emocionais da gravidez, parto e puerpério (2003). Neste último, há ainda informações a respeito de aspectos psicossociais do parto e do puerpério.

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