A farmacocinética está inserida na dinâmica de interação entre fármaco e corpo. Em termos bem simplistas, a farmacocinética costuma ser referida como "o que o corpo faz com o fármaco" - envolvendo processos que vão desde a absorção até a excreção.
Quando um fármaco é administrado por via enteral, especialmente a via oral, ele deve ser absorvido no sangue a partir do seu sítio de administração (como o intestino), distribuído para o tecido alvo, onde será o sítio de ação (como o cérebro, no caso de um medicamento benzodiazepínico, como o clonazepam). Finalmente, depois de provocar o seu efeito, o fármaco deve ser eliminado a uma velocidade razoável por excreção do corpo.
Veja que, até atingir o tecido-alvo, no caso de uma droga como o clonazepam, são várias as barreiras que devem ser permeadas: deve atravessar os tecidos que compõem a parede do intestino, as paredes do capilares que irrigam esse órgão, a barreira hematoencefálica e, então, as paredes dos capilares que irrigam o cérebro.
Formas de permeação dos fármacos - o caminho até o sítio-alvo
Há vários mecanismos que permitem que os fármacos, quando não aplicados diretamente em seu sítio de ação (ex: aplicação de compostos com ação tópica), possam atingi-lo. Tanto na absorção (passagem para a corrente sanguínea) quanto na distribuição (passagem reversível para o sítio de ação), o fármaco deve transpor uma membrana plasmática. Isso pode ser feito por:
Difusão lipídica: a característica lipoproteica da membrana plasmática implica que fármacos apolares (lipossolúveis) sejam melhor capazes de cruzá-la. No entanto, como as membranas plasmáticas separam uma fase aquosa de outra, o fármaco deve ser hidrossolúvel também. A velocidade de absorção do fármaco, como será visto, depende do coeficiente de partição lipídica:aquosa.
Gases e moléculas apolares, ou moléculas hidrofílicas pequenas (água) podem transpor a membrana plasmática. Moléculas ionizadas ou moléculas polares grandes não podem.
Difusão por canais de água: se dá por meio de junções apertadas da membrana epitelial e do revestimento endotelial, por poros aquosos. Essas moléculas não podem ser excessivamente grandes.
Transportadores especiais: por meio da difusão facilitada ou do transporte ativo, moléculas grandes conseguem cruzar a membrana plasmática (por exemplo, é o caso da glicose, que chega ao sangue, a partir do intestino, por meio de ambos mecanismos). Fármacos com características apropriadas podem se ligar a receptores de superfície da célula e, assim, transpor a membrana plasmática.
Partição
A partição lipídica:aquosa de um fármaco determina a velocidade com que a molécula se move entre os meios aquoso e líquido. No caso de ácidos fracos e bases fracas (que ganham ou perdem prótons de acordo com sua carga elétrica), sua capacidade de se mover do meio aquoso para o lipídico ou vice-versa varia de acordo com o pH do meio.
Ao portarem carga elétrica (ou seja, estarem na fase ionizada), essas moléculas atrairão moléculas de água e formarão um complexo polar - relativamente hidrossolúvel e insolúvel em lipídios. Caso o fármaco porte carga elétrica, portanto, será mais difícil para ele transpor membranas lipoproteicas - o que requer relativa lipossolubilidade.
Grande parte das moléculas usadas hoje são ácidos fracos ou bases fracas - ou seja, moléculas neutras que podem se dissociar reversivelmente em ânion e em próton.
Por exemplo, o ácido acetilsalicílico (aspirina) é um ácido fraco. Isso significa que, caso haja um excesso de acidez no estômago, ele será mais facilmente absorvido. Isso se dará pela Lei de Ação das Massas - que favorecerá a sua forma neutra e não a sua forma ionizada, que liberaria ainda mais íons H+, aumentando a acidez. Assim, em meios ácidos, é melhor absorvida.
Ácidos fracos: dissociam-se para a forma ionizada (liberam H+) quando estão em pH alto.
Mantém-se na forma neutra (sem liberação de íon H+) quando estão em pH baixo. São mais absorvidos em pH baixo.
Já a pirimetamina, um fármaco anti-malárico, é uma base fraca. Isso significa que, em determinados momentos, ela pode ganhar um próton (um íon H+), formando, assim, um cátion. Esse acontecimento se dará em ambientes com teor ácido elevado. Nesse caso, a pirimetamina, neutra, reagirá com os íons H+, a fim de diminuir a acidez do local, como preconiza a Lei de Ação das Massas. Essa reação culminará na diminuição da concentração de H+, mas também resultará na conversão da pirimetamina para a sua forma ionizada - menos absorvida. Desse modo, em ambientes alcalinos, há maior preservação da forma neutra das bases fracas.
Bases fracas: em pH baixo (acidez), irão receber íons H+ e estarão em sua forma ionizada, pouco lipossolúvel.
Em pH alto (alcalino), não irão reagir com íons H+, mantendo-se em forma neutra.
Efeitos da partição na excreção de fármacos (aprisionamento)
Tais princípios repercutem na manipulação da excreção de um fármaco pelo rim, o que pode ser desejável em casos de overdose, por exemplo. É importante prevenir que o fármaco seja reabsorvido a partir do túbulo renal - o que pode ser feito induzindo um estado ionizado, não lipossolúvel do fármaco, o que será dissonante com a forma melhor (re)absorvida do fármaco. A isso, chama-se "aprisionar" o fármaco na urina.
Assim, ácidos fracos serão mais facilmente excretados caso a urina esteja alcalina - isso favorecerá sua dissociação iônica em ânion e em íons H+. Já as bases fracas serão mais facilmente excretadas caso a urina esteja ácida - isso favorecerá com que elas reajam com os íons H+, ficando, então, na sua forma ionizada.
Absorção de um fármaco
Define-se como a passagem de um fármaco de seu local de administração para o plasma.
Biodisponibilidade
A biodisponibilidade diz respeito à fração da droga que é aproveitada - isto é, que, após ingerida, chega à corrente sanguínea (considerando a sua facilidade de absorção e o seu metabolismo pelo fígado).
Antes de cair na circulação sistêmica, as drogas devem ser absorvidas - para isso, atravessam várias barreiras fisiológicos. Ainda, elas devem enfrentar a primeira passagem pelo fígado: quando saem do intestino, caem na veia porta hepática, atingem o fígado, são metabolizadas enzimaticamente. Só então, chegará ao sistema circulatório sistêmico. Nos casos das vias parenterais, a intravenosa tem biodisponibilidade de 100%.
Absorção: fármacos excessivamente hidrofílicos ou excessivamente lipofílicos não são bem absorvidos. Isso pode reduzir substancialmente sua biodisponibilidade, isto é, a sua capacidade de ser aproveitado (chegar à circulação sistêmica).
Eliminação de primeira passagem: o fígado é, comumente, o responsável por metabolizar fármacos antes que eles atinjam a circulação sistêmica. Esse órgão receberá o fármaco por meio da veia porta, que parte do intestino. Além disso, o fígado pode lançar parte do fármaco na bile. Em pacientes com cirrose hepática, a depuração do medicamento pelo fígado é muito menor, o que permite aumentos substanciais da disponibilidade do fármaco.
Medicamentos SR
Medicamentos SR (Sustained Release) são aqueles em que uma fração é liberada instantaneamente, enquanto uma dose restante do princípio ativo é gradualmente liberada. Ou seja, permitem um efeito rápido e sustentado.