segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Distúrbios do sódio (disnatremias): estudando com questões

L.N.S., 72 anos, trazido por familiares ao Pronto Atendimento com queixa de anorexia, emagrecimento e tosse há 4 meses. Tabagista há 50 anos. Ao exame físico: desorientado, hipocorado 1+/4+, dispneico, PA 110 × 70 mmHg, FC 104bpm, FR 28 irpm. À ausculta cardíaca: ritmo cardíaco regular e sopro sistólico 1+/6+, pancardíaco, e nos pulmões crepitações em hemitórax direito. Exames complementares: Hb: 11,5 g/dL; Ht 33%; Leucócitos: 11.800; plaquetas 335.000/mm3; VHS 80 mm; glicemia 98 mg/dL; creatinina 0,8 mg/dL; ureia 23 mg/dL; sódio 112 mEq/L; potássio 3,9 mEq/L; cloro 88 meq/L; Bicarbonato 24 mEq/L; ácido úrico 1,4 mg/dL; sódio urinário 92 mEq/L e creatinina urinária 84 mg/dL. EAS com densidade de 1028 e traços de proteínas. TSH e T4 livre normais. A causa da hiponatremia deste paciente é:

a) Intoxicação hídrica

b) Hipotireoidismo

c) Síndrome de secreção inapropriada de ADH

d) Diabetes insipidus

O paciente apresenta um quadro que lembra uma síndrome consumptiva, com anorexia e emagrecimento há 4 meses. Nos diagnósticos etiológicos das síndromes consumptivas, devemos pensar em neoplasias. O tabagismo é o principal fator de risco para o câncer de pulmão. A tosse é um achado presente em 50 a 75% dos pacientes, embora seja inespecífica. Ao exame físico, as alterações mais grosseiras são no aparelho pulmonar: há uma taquidispneia, sugerindo uma dificuldade para realizar trocas gasosas. Paciente também tem crepitações no hemitórax direito, sugerindo infiltrados no parênquima pulmonar. Laboratorialmente, há aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS), achado esperado numa doença inflamatória, como neoplasia; embora inespecífico. O sódio está francamente baixo: 112 mEq/L, quando o esperado é 135 a 145. TSH e T4 são normais, afastando o diagnóstico de hipotireoidismo. Outro dado interessante: há ácido úrico < 4 mg/dL, uma hipouricemia. Há uma elevada excreção renal de sódio, pois sódio urinárico > 40 mEq/L.

Como avaliar? Primeiro: vamos avaliar o estado volêmico. Esse paciente não tem sintomas de hiponatremia verdadeira. Na hiponatremia verdadeira, temos uma hipovolemia hiposmolar. O paciente tem uma história de perda hídrica importante. O exame físico tem uma taquicardia mais pronunciada, hipotensão. Há turgor de pele reduzido, indicando desidratação. Mas não é o caso aqui. O que chama a atenção é a síndrome consumptiva, com um exame físico que denuncia alguma grave alteração no sistema respiratório. O paciente parece euvolêmico: normotenso e sem edema.

A principal causa de hiponatremia euvolêmica é a síndrome da secreção inapropriada de ADH. Pistas diagnósticas:a função tireoidiana é normal e o ácido úrico é baixo. O sódio urinário está elevado. E a questão parece direcionar o raciocínio para sugerir que o paciente é portador de uma neoplasia pulmonar. O carcinoma pulmonar de pequenas células é a causa neoplásica mais comum de SIADH. Não há outra etiologia mais provável. Intoxicação hídrica: nada na história sugere isso. Diabetes insipidus: não há elevação da glicemia; nem quadro clínico sugestivo de aumento de sede e poliúria. Nos pacientes com diabetes insipidus, o achado mais frequente é hipernatremia.

Com isso, a resposta mais provável é: c) 

sábado, 7 de março de 2020

Lesão renal aguda


A  lesão renal aguda tem como uma de suas etiologias a azotemia pré-renal (isto é, aumento da concentração de produtos nitrogenados por razões extrínsecas ao rim). Nesse grande grupo, temos a hipovolemia - que reduz a pressão hidrostática no glomérulo e prejudica a filtração renal. Insuficiência hepática e cardíaca, por diminuírem o volume que circula no corpo, produzem o mesmo efeito. Também, como 20% do débito cardíaco passa pelo rim, a diminuição de débito cardíaco reduz a filtração de produtos nitrogenados. A dilatação da arteríola aferente pelo NO e prostaglandinas mantém a perfusão glomerular; já a angiotensina II contrai a arteríola eferente para aumentar a pressão intraglomerular. AINEs, i-ECA, BRA e ciclosporina alteram esses mecanismos de contratilidade dos vasos sanguíneos das arteríolas aferentes e eferentes, perturbando a autorregulação renal.

A azotemia pré-renal sustentada pode levar a lesões intrínsecas, especialmente a necrose tubular aguda, que pode ser isquêmica (por redução contínua do fluxo de sangue renal), tóxica (por uso de drogas nefrotóxicas, como anfotericina e aminoglicosídeos) e séptica (por inflamação, apoptose e também isquemia). Glomerulonefrite e vasculite, por causas alérgicas ou autoimunes, são raras, mas preocupantes.

Já a lesão pós-renal aguda ocorre quando o fluxo unidirecional da urina é bloqueado por algum fator obstrutivo. Por exemplo, a hiperplasia prostática benigna pode impedir a passagem de urina e resultar num aumento retrógrado da pressão hidrostática, culminando com prejuízos na função renal. Outra causa é a obstrução por um cálculo (nefrolitíase) em pessoa com rim único. Neoplasia infiltrando-se na parede dos ureteres, fibrose retroperitoneal causando compressão extrínseca nos ureteres são todas causas possíveis de interrupção do fluxo de urina e aumento da pressão intraglomerular a ponto de interromper a filtração.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Síndrome de Guillain-Barré

A Síndrome de Guillain-Barré é uma patologia imunomediada que tipicamente ocorre após um processo infeccioso, podendo causar paralisia neuromuscular. As infecções mais envolvidas são as pela bactéria Campylobacter jejuni, pelo citomegalovírus, pelo vírus Epstein-Barr, vírus Zika e pelo HIV. 

Anticorpos formados contra esses patógenos reagem cruzadamente contra os gangliosídeos e outros glicolipídeos encontrados na membrana de nervos periféricos. Além do mimetismo molecular, alguns autores brasileiros propõe que a apresentação de antígenos pode levar diretamente à produção de autoanticorpos na Síndrome.

Epidemiologia
A incidência é maior em homens e aumenta com o passar da idade. Em recente análise, foram revisados 327 casos publicados na forma de relato entre 2003 e 2018. Evidenciou-se que homens entre 44 e 71 anos foram os mais acometidos pela Síndrome. Quanto à etiologia, a avaliação mostrou que a maior parte dos casos de Guillain-Barré era precedida por dengue ou zika - mas muitos estudos se deram durante o contexto da epidemia de zika na América Latina.

À época, a partir de 2015, houve um aumento das internações por Guillain Barré no Brasil. Entre 2008 e 2014, houve uma média de 1344 internações por ano, contra 2216 internações em 2016. Houve um incremento de 52% - iniciando-se uma fase de cenário epidemiológico sem precedentes no País, catalisado pelo zika vírus.

Mais raramente, quimioterapia com compostos de platina podem causar a Síndrome de Guillain-Barré. Evidências sugerem que a platina pode ser um gatilho para a autoimunidade, estimulando a formação de anticorpos contra a bainha de mielina.

Achados clínicos
O achado central dessa polineuropatia é a fraqueza simétrica bilateral em ambos os membros (superiores ou inferiores), que leva a uma paralisia ascendente. Os membros afetados tipicamente apresentam arreflexia ou hiporreflexia. A presença de hiperreflexia na síndrome de Guillain-Barré é rara, mas é relatada - e não deve ser motivo para atraso na terapia imunomoduladora.

O acometimento respiratório ocorre em 10 a 30% dos pacientes infectados. Eventualmente, pode haver necessidade de ventilação artificial. Atenção deve ser dada aos sinais e sintomas de desconforto respiratório, que podem ter valor premonitório de necessidade de intubação.

Muitos pacientes (aproximadamente 60 a 90%) também apresentam dor além da fraqueza, especialmente na fase inicial. Essa dor é em geral por inflamação da raiz nervosa, desmielinização e a degeneração do nervo sensitivo pelo ataque imunomediado. A dor pode cronificar, mesmo após resolução da flacidez e paralisia. Parestesia também pode ocorrer.

Sintomas mais graves incluem disfunção autonômica, com flutuações na pressão arterial e na frequência cardíaca, além de retenção urinária.

A doença tem uma fase de progressão, com o avanço da paralisia; de manutenção, em que os sintomas se tornam estáveis; e de regressão, em que, em especial com o tratamento, há melhora da qualidade de vida e independência, como evidencia um estudo brasileiro.

Há alguma chance de efeitos residuais observados em longo-prazo, como perda de autonomia, queixas físicas e mentais, além de depressão, associados a Síndrome de Guillain-Barré.

Diagnóstico
Inicia-se com uma anamnese completa e exame físico detalhado. 

Exames complementares, como a punção lombar, podem auxiliar na conclusão diagnóstica. A análise do líquor irá revelar um achado conhecido como dissociação citoalbuminológica: há um aumento do nível de proteínas, mas a celularidade mantém-se normal (geralmente, menos que 6 células brancas). Isso é característico, mas não é patognomônico. A eletroneuromiografia e estudos de condução nervosa também são úteis no diagnóstico.

Tratamento
O tratamento gira em retorno do manejo de sintomas. É importante, contudo, que quando os sintomas são severos - como desconforto respiratório - o paciente receba cuidados intensivos. Muitos deles irão necessitar de intubação orotraqueal.

Duas terapias utilizadas para pacientes com Síndrome de Guillain-Barré são a plasmaférese e imunoglobulina endovenosa. Não há benefício em associá-las; e uma não é melhor que a outra. O que pode ser decisivo é o início precoce - em geral durante as duas primeiras semanas de evolução.

A dor é neuropática, mas também tem componentes inflamatórias, comumente exigindo uma abordagem multimodal. Anticonvulsivantes, que são úteis para dores neuropáticas (como pregabalina e gabapentina) e anti-inflamatórios podem ser associados. Opioides devem ser usados com extrema cautela pelo risco de depressão respiratória.

A fisioterapia também é fundamental para melhor prognóstico do paciente com Guillain-Barré. O tratamento fisioterapêutico reduz a limitação funcional e o déficit motor, além de oferecer suporte respiratório.

Emergências em Diabetes Mellitus

Emergências continuam a ser importante causa de morte prematura em pacientes com diabetes. Incluem os comas diabéticos (hipoglicemia, cetoacidose diabética severa, hiperglicemia hiperosmolar, acidose lática), cirurgias de emergência e infarto do miocárdio.

Coma diabético
O nome pode não ser tão apropriado, uma vez que muitas pacientes apresentam-se sonolentos ou com estupor, mas não comatosos. Informações clinicamente úteis incluem estado de hidratação, pressão arterial, pulso, estado da pele e temperatura corporal.

Coma hipoglicêmico
Dificilmente, apresentarão-se desidratados. A pele é fria, úmida e pegajosa. O pulso é mais rápido e são normotensos. O diagnóstico é feito pela glicemia capilar. É comum entre pacientes tratados com insulina ou com sulfonilureias, como glibencamida. Refeições perdidas ou atrasadas, ou exercício intenso são as principais causas entre insulinodependentes.

O tratamento clássico consiste na infusão endovenosa de glicose, 20 mL a 50%, em bolus. Logo após, carboidrato via oral ou infusão contínua de glicose a 10% (100 a 200 mL por hora conforme leitura de glicemia).

Outra possibilidade é o uso do glucagon, que pode ser dado intramuscular ou endovenoso. A dose padrão é de 1 mg, mas menores são adequadas. Esse hormônio irá mobilizar o glicogênio hepático, efeito que é pouco duradouro. Portanto, glicose via oral deve ser o próximo passo. É especialmente útil quando há dificuldade em obter o acesso do paciente.


Cetoacidose diabética
Uma das complicações metabólicas agudas mais sérias da diabetes. Trata-se de uma perturbação metabólica que consiste em três alterações em paralelo: alta concentração de glicose sanguínea, alta concentração de corpos cetônicos e acidose metabólica.

Na maior parte das vezes, acomete pacientes com diabetes tipo 1, mas muitos pacientes com diabetes tipo 2 podem desenvolver cetoacidose sob condições médicas ou cirúrgicas estressantes (isto é, em cenários de estresse orgânico). Na maior parte das vezes, há uma infecção subjacente que configura-se como fator precipitante. Não adesão à terapia insulínica, estresse psicológico, cirurgia, trauma e isquemia miocárdica são outros fatores de risco.

Patogênese
A cetoacidose diabética é caracterizada por hiperglicemia descontrolada, acidose metabólica e aumento da concentração de corpos cetônicos circulantes. A cetoacidose é resultado da ausência absoluta ou relativa (isto é, por ineficácia em sua ação) da insulina e, ao mesmo tempo, da elevação dos chamados hormônios contrarreguladores (glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio do crescimento).

A insulina tem ações anabólicas e anti-catabólicas. Por exemplo, impede a quebra de glicogênio hepático para a formação de glicose (o que elevaria a glicemia) e, ao mesmo tempo, aumenta o anabolismo proteico, a captação hepática e periférica de glicose e seu depósito na forma de glicogênio. Inibe também a lipólise e a cetogênese. Os hormônios contrarreguladores opõem-se a essas ações tanto no fígado quanto nos tecidos periféricos, alterando a deposição de glicose e também elevando a quebra de gordura para a produção de corpos cetônicos.


O mix de ausência de insulina e elevação de hormônios contrarreguladores gera aumento da quebra dos estoques de glicogênio e elevação da glicose sanguínea, com baixa captação hepática e periférica. A hiperglicemia promove uma diurese osmótica, levando à hipovolemia e redução da taxa de filtração glomerular. Isso agrava ainda mais a hiperglicemia.

A deficiência de insulina combinada à elevação de catecolaminas e cortisol eleva a quebra dos estoques de triglicerídeos, com a liberação de grande quantidade de ácidos graxos, que serão oxidados no interior de mitocôndrias, gerando corpos cetônicos (processo mediado pelo glucagon).

Fatores precipitantes
A cetoacidose diabética pode ser o momento de diagnóstico de pacientes com DM1. Em pacientes que já sabem ter diabetes tipo 2, infecções, outras comorbidades, estresse psicológico e má adesão terapêutica podem ser os fatores precipitantes do quadro metabólico. Entre as infecções, especial atenção à pneumonia e ITU. Abuso de álcool, trauma e infarto de miocárdio também merecem citação.

Medicamentos também podem precipitar crises de cetoacidose. É o caso dos antipsicóticos como olanzapina e risperidona e também uma nova classe de antidiabéticos oral, os inibidores do cotransportador de glicose e sódio 2. São agentes hipoglicemiantes que impedem a reabsorção de glicose no túbulo proximal.

Diagnóstico
Sinais e sintomas
Incluem os sintomas típicos de hiperglicemia, como poliúria, polidipsia e perda de peso. São em geral encontrados por vários dias antes do desenvolvimento da cetoacidose. Fraqueza, náusea, vômito e dor abdominal são também encontrados - a última sem causa bem elucidada.

Ao exame físico, revelam-se sinais de desidratação, como perda do turgor da pele, membranas mucosas secas, taquicardia e hipotensão. O estado mental pode variar do alerta total até à letargia profunda; mas cerca de 20% dos pacientes são hospitalizados com perda da consciência. Hálito cetônico e respiração de Kussmaul são presentes em especial nos pacientes com acidose metabólica severa.

Achados laboratoriais
O achado crucial é uma elevação da concentração de corpos cetônicos totais circulantes (exame que não é extremamente disponível, sendo por vezes a cetose inferida pela cetonúria). Ainda, como a doença é caracterizada pela tríade cetose, acidemia e hiperglicemia, esses dois últimos achados também são importantes na investigação laboratorial. Glicemia acima de 250 mg/dL, pH menor que 7,3 e bicarbonato sérico menor que 15 mEq/L.

O acúmulo de cetoácidos como o beta-hidroxi-butirato resultado em acidose metabólica com aumento de anion gap [Na - (Cl + HCO3].

Outros achados laboratoriais que auxiliam na investigação incluem a leucocitose com desvio à esquerda (sugerindo uma infecção bacteriana); sódio corrigido (frequentemente, há hiponatremia) e hipercalemia (fluxo de K+ do intra pro extracelular devido a fatores como a acidemia). A correção do sódio é feita adicionando-se 1.6 mg/dL a cada 100 mg/dL de glicose acima de 100 mg/dL. Demais eletrólitos, fósforo, magnésio, pH venoso, creatinina, ureia e glicose devem ser medidos a cada 4 horas. E glicemia capilar a cada 1 - 2 horas.

Tratamento
Em linhas gerais, o tratamento requer frequente monitorização dos pacientes, correção da hipovolemia e da perturbação metabólica, além da busca diligente pelo fator precipitante.

Fluidoterapia
Os pacientes com cetoacidose tem depleção de fluidos e necessitam de ressuscitação volêmica agressiva para restaurar o volume intravascular e a perfusão renal. Em geral, solução salina isotônica pode ser infundida a 500 - 1000 mL/hora durante as primeiras 2 horas. Depois da correção da depleção intravascular, a infusão deve ser reduzida a 250 mL/hora.

Uma vez que a glicemia atinga 250 mg/dL, o fluido de reposição deve conter 5 a 10% de dextrose.

Insulinoterapia
A insulina tem efeito hipoglicemia por aumentar a utilização periférica de glicose e ao mesmo tempo reduzir a produção hepática de glicose. Ao mesmo tempo, inibe a lipólise e, portanto, produção de ácidos graxos para a geração de corpos cetônicos. Dessa forma, a insulina age em grandes problemas do paciente com cetoacidose - a hiperglicemia, a acidemia e a cetose.

A droga de escolha é a insulina regular ofertada intravenosa. A recomendação da Associação Americana de Diabetes é do uso de uma dose inicial em bolus de insulina regular a 0,1 unidades / kg seguida de infusão contínua de 0,1 unidades/kg/hora até que a glicemia atinja 250 mg/dL.

Com a glicemia abaixo de 250 mg/dL, é recomendada a adição de dextrose aos fluidos intravenosos e a insulina deve ser dada a concentração de 0,05 unidades/kg/hora. Diz a Associação Americana de Diabetes que:
Portanto, a velocidade da administração de insulina deve ser ajustada para manter a glicemia a aproximadamente 150  a 200 mg/dL - e continuada até a resolução da cetoacidose. A resolução da hiperglicemia leva cerca de 4 a 6 horas, mas a resolução da cetoacidose dura mais tempo, aproximadamente 10 a 14 horas; assim a dextrose é necessária para manter a infusão contínua de insulina e prevenção da hipoglicemia.
Injeções subcutâneas de análogos rápidos de insulina também são alternativas factíveis no manejo da cetoacidose.

Potássio
A maior parte dos pacientes apresentam-se com níveis normais de potássio. Após a instituição da fluidoterapia e da insulinoterapia, a concentração de potássio extracelular invariavelmente cai. A insulina estimula a captação periférica de potássio, daí tornando necessária a administração de potássio para a prevenção de hipocalemia.

O objetivo é manter a calemia dentro de valores entre 4 e 5 mEq/L. Preocupa um paciente que já apresente hipocalemia à admissão. Ela pode ser agravada após o início da insulina. É por conta disso que, caso a concentração inicial de potássio seja igual ou menor que 3 mEq/L, a reposição de potássio deve ser realizada por ao menos 1 a 2 horas antes da insulinoterapia.

Bicarbonato
Raramente é usado bicarbonato. Vários estudos falharam em evidenciar benefícios, mesmo com valores de pH arterial entre 6,9 e 7,1. Ainda assim, em casos de acidose metabólica severa (pH arterial < 6,9), recomenda-se a adição de 44,6 mEq de bicarbonato por litro de soro fisiológico hipotônico.

Fosfato
Raramente, é utilizado, pois estudos evidenciaram poucos benefícios em sua aplicação - e até efeitos danosos, como hipocalcemia.

Prevenção
O risco de hospitalização futura por emergências hiperglicêmicas pode ser reduzida por meio da educação do paciente. O médico deve explicar ao paciente a importância da manutenção do tratamento com insulina e sobre o reconhecimento de sinais de risco de evolução para a cetoacidose. Com isso, espera-se prevenir recidivas.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) - parte 1

Definição
A DPOC é uma patologia caracterizada por sintomas respiratórios e pela limitação do fluxo aéreo (que é medida pela espirometria) - ambos sendo persistentes e progressivos. 

Em sua fisiopatologia (leia mais abaixo), estão envolvidos processos como a bronquiolite e a disfunção mucociliar - que leva ao estreitamento das pequenas vias aéreas, obstruída por muco - e lesões ao parênquima pulmonar, com prejuízos das superfícies de hematose (enfisema). Também, devido à destruição do parênquima, há a perda da adesão dos alvéolos às vias aéreas - o que determina prejuízos ainda maiores à troca gasosa.

Além de ter tratamento, a DPOC pode ser prevenida. As alterações patológicas acima são de origem inflamatória - promovidas pela interação entre fatores ambientais (exposição a partículas e gases nocivos, como os do cigarro) e fatores genéticos.

Epidemiologia e o fardo da doença
A DPOC ocupa o quinto lugar entre as principais causas de morte no Brasil - ela ocupa a liderança na mortalidade por doenças respiratórias. Seu fardo social e econômico também é grande, ao considerarmos a quantidade de internações por DPOC por ano e o absenteísmo no trabalho. A prevalência tende a aumentar - com a exposição cada vez maior aos fatores de risco, o envelhecimento populacional e a mortalidade reduzida por doenças infecciosas e cardiovasculares.

Apesar disso, a DPOC é prevenível com medidas como a cessação do tabagismo, como já foi pontuado. Por esse e outros motivos, o tabagismo é considerado um problema de saúde pública.

Pacientes com DPOC apresentam uma redução da capacidade de se exercitar, além de perderem a força dos músculos respiratórios. No tratamento, são empregados corticoides e broncodilatadores. Nas complicações infecciosas, antibióticos também são necessários. Em crises de agudização, oxigenioterapia e ventilação mecânica são usados - novamente, com grande impacto social e econômico.

Fatores que influenciam o desenvolvimento e a progressão da doença
A cessação do tabagismo pode evitar a instalação de DPOC e também melhorar a qualidade de vida dos portadores. É verdade que não-fumantes também podem ter DPOC - mas nesse caso a doença é mais branda, com menos sintomas e menor impacto na qualidade de vida. 

Fatores genéticos estão envolvidos, também: por exemplo, menos de 50% dos fumantes desenvolvem DPOC, o que mostra que é necessária a interação entre fatores ambientais e genéticos. O gene mais associado ao DPOC é o da alfa-1 anti-tripsina (inibidor de protease, circulante no organismo). Ele está "defeituoso" nos pacientes com DPOC.

O status socioeconômico também é um fator de risco, pois interfere no desenvolvimento e maturação pulmonar. A exposição ocupacional à fumaça derivada da queima de combustíveis fósseis também é outro fator. 

Patologia
A DPOC é uma doença marcada pela inflamação - tanto sistêmica quanto mais propriamente do aparelho respiratório. Células inflamatórias (como macrófagos, neutrófilos; e eosinófilos em pacientes asmáticos) aumentam em número no parênquima, na vasculatura pulmonar e nas vias aéreas. 

Elas liberam mediadores inflamatórios, promovendo dano tecidual, que é constantemente reparado. A reparação contínua pode levar à fibrose tecidual. O estreitamento das vias aéreas por essa resposta inflamatória determinam uma redução do VEF1 (volume expiratório forçado em 1 segundo, avaliado na espirometria).

A resposta inflamatória é comum em resposta a irritantes como as partículas do cigarro, mas só que é mais intensa em pacientes com DPOC. Com isso, há estresse oxidativo local no aparelho respiratório, especialmente durante as crises (exacerbações). 

Também ocorre um desequilíbrio na proporção de proteases/anti-proteases, favorecendo um acúmulo de proteínas que degradam tecido conjuntivo, contra as que inibem essa degradação. Essas proteínas chamadas proteases são derivadas de células inflamatórias e contribuem para a destruição do parênquima pulmonar. Isso contribui ainda mais para a limitação ao fluxo de ar e para a redução da hematose.

A limitação periférica persistente ao fluxo de ar (com exsudato e estreitamento de vias) leva a um "aprisionamento" de gases durante a expiração, levando a hiperinsuflação pulmonar. O aumento do volume pulmonar reduz a capacidade de exercício e causa sintomas como dispneia. Além disso, a hematose é prejudicada com a progressão da doença, podendo levar a hipoxemia e hipercapnia. Em geral, o prejuízo da hematose piora com o passar do tempo, com característica retenção de dióxido de carbono.

Em alguns pacientes, há uma proliferação de células caliciformes, devido à irritação crônica do epitélio por partículas tóxicas. Essas células, junto de glândulas da submucosa, aumentam sua atividade, levando à hiperssecreção de muco leva à tosse produtiva crônica. É a bronquite crônica.

As crises de DPOC podem ser promovidas por infecções respiratórias, seja de vírus ou bactérias, poluentes ambientais e outros fatores. Durante as exacerbações dos sintomas respiratórios, há cada vez mais hiperinsuflação pulmonar e aprisionamento de ar, com fluxo respiratório reduzido - causando dispneia.

Diagnóstico e avaliação inicial
DPOC é um diagnóstico que deve ser pensado em qualquer paciente com: dispneia, tosse crônica e produção de muco e/ou histórico de exposição a fatores de risco para a doença (tabaco, poluentes, exposição ocupacional). 

Nesse cenário (sintomas e história sugestivas), a espirometria é necessária para a conclusão diagnóstica. DPOC é confirmado quando há uma VEF1/CVF <0.70 mesmo após uso do broncodilatador (obstrução persistente).

Sintomas
Dispneia: é o sintoma cardinal da DPOC, caracteristicamente crônica e persistente. Pacientes costumam descrever como necessidade de maior esforço para respirar.

Tosse: a tosse crônica é muitas vezes o primeiro sintoma. Pode ser intermitente no início, mais tarde se tornando persistente. Pode ser produtiva ou não.

Produção de muco: se ocorre por três meses ou mais em dois anos consecutivos, pelo menos, encaixa-se na definição clássica de bronquite crônica. Muco purulento reflete aumento de mediadores inflamatórios e pode indicar quadro de exacerbação bacteriana.

Sibilos e opressão torácica: sibilos inspiratórios e expiratórios podem estar presentes na ausculta. Opressão torácica muitas vezes ocorre depois de esforço físico e é uma sensação de origem muscular (fadiga da musculatura intercostal). Sua ausência não exclui diagnóstico de DPOC, nem sua presença indica diagnóstico de asma.

Outras: fadiga, perda de peso e anorexia são  problemas comuns em pacientes com DPOC severo ou muito severo. Doenças consumptivas devem ser investigadas. Ansiedade e depressão também podem estar presentes, posto que a doença tem grande impacto funcional e na qualidade de vida.

História médica
Deve incluir:
  • Exposição a fatores de risco - como tabaco e poluentes.
  • História patológica pregressa - incluindo asma, rinite, sinusite, outras doenças crônicas - comorbidades que também causem restrição de atividade. Internações ou crises (agravamento de sintomas) prévios.
  • História familiar de DPOC ou de outra doença respiratória
  • Padrão dos sintomas: quando os sintomas começaram (geralmente, na vida adulta), evoluíram, sua intensidade, restrições sociais impostas pelos sintomas.
  • Impacto da doença na qualidade de vida do paciente (trabalho, exercício físico, rotina familiar, atividade sexual...)
  • Possibilidade de reduzir os fatores de risco
Exame físico
Raramente, leva a diagnóstico de DPOC. Os sintomas de limitação de fluxo de ar geralmente só se apresentam em quadros severos.

Espirometria
É a medida mais confiável de restrição ao fluxo de ar. A espirometria deve medir o volume de ar forçadamente expirado da inspiração máxima do paciente - a capacidade vital forçada, CVF e o volume de ar expirado no primeiro segundo dessa manobra - volume expirado forçado em 1 segundo, VEF1 e a razão dessas duas medidas (VEF1 / CVF). Os valores são comparados com aqueles esperados conforme a idade, sexo, altura e etnia do paciente.

O VEF1/CVF em pacientes com DPOC é menor que 0,7. Indica um padrão obstrutivo persistente, isto é, mesmo após teste com uso do broncodilatador.

Avaliação do paciente
Os objetivos, a fim de guiar a terapia, são avaliar o nível de limitação do fluxo de ar (pelos valores da espirometria), os impactos na saúde do paciente e o risco de eventos futuros (crises, internações ou óbito)

Classificação da intensidade de limitação do fluxo de ar:
  • GOLD 1 - VEF 1 > 80%  - leve
  • GOLD 2  - VEF 1 entre 50 a 80% - moderada
  • GOLD 3 - VEF 1 entre 30 e 50% - grave 
  • GOLD 4 - VEF 1 menor que 30% - muito grave

Classificação dos sintomas:
Há o COPD Assessment Test, que avalia com pontuações de 0 a 5 vários sintomas (como tosse, secreção de muco, qualidade do sono, níveis de energia, opressão torácica, atividades sociais e rotineiras, atividade física...).

Avaliação dos riscos de exacerbação:
Exacerbação é definida como uma piora aguda dos sintomas respiratórios que exige terapia adicional. São classificadas em: leve (necessitando de broncodilatador de curta duração [SABA]), moderada (tratada com SABA e antibióticos e/ou corticosteroides orais) e grave (que requer hospitalização ou visita à emergência). As exacerbações graves também podem levar à falência respiratória aguda.

O melhor preditor de exacerbações frequentes (definidas como duas ou mais num ano) é histórico desses eventos já tratados. A piora da função pulmonar também é associada com maior prevalência de exacerbação; e hospitalização é associada com pior prognóstico de DPOC.

Avaliação das comorbidades:
Muitas vezes, os pacientes com DPOC apresentam outras doenças crônicas. O próprio DPOC é associado a sintomas extrapulmonares importantes - como disfunção da musculatura esquelética, devido ao sedentarismo e a problemas nutricionais. Comorbidades incluem doenças cardiovasculares, síndrome metabólica, osteoporose, depressão, ansiedade e câncer de pulmão. As comorbidades devem ser tratadas independentemente.

Avaliação combinada do DPOC:
É feita em ABCD (que correspondem à: intensidade/impacto dos sintomas e risco de eventos futuros) e 1234 (que correspondem à classificação GOLD de limitação do fluxo de ar).

Por exemplo: paciente GOLD A - com VEF 1 > 80%, com 0 ou 1 exacerbação sem ida ao hospital. GOLD D - paciente com VEF 1 < 30%, com 2 ou mais exacerbações ou com ida ao hospital.