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Em última análise, todas as funções do nosso corpo depende do funcionamento correto das proteínas, em especial as enzimas, que sÃo codificadas pelo DNA |
DNA -> RNA -> proteína. É assim que tudo é feito. É fundamental entender bem o chamado "Dogma Central da Biologia" pois ele é a base de tudo o que somos.
Neste exato segundo, trilhões de enzimas, ribossomos e moléculas de RNA estão flutuando em suas células, fazendo cópias das partes mais fundamentais de você. Entenda todo o processo através dessa matéria ricamente ilustrada.
O DNA serve para quê?
Você já foi
apresentado ao ácido desoxirribonucleico. Se você é íntimo, deve conhecê-lo pela sigla em inglês, DNA (para ler mais sobre ele, clique aqui). Os livros costumam dar nomes chamativos para o DNA, como "o segredo contido no núcleo da célula", "uma molécula
que faz com que cada um de nós seja único e especial". A pergunta que eu
sempre me fazia ao começar a estudar Citologia era: como um conjunto de
letrinhas – as bases nitrogenadas – tinha tamanho poder de definir se um ser vivo iria ser uma bactéria ou um ser humano?
É
fato que cada gene controla uma característica. E temos, pelo menos, 20.000
genes, herdados de nossos pais. Cada um desses genes realmente nos faz ser
especial. Mas, afinal de contas, o que importa se sua sequência genética, para
certo gene, for TACTACATAC ou GATCGATCGAT? Como o sequenciamento das bases
nitrogenadas – simples moléculas – pode ser capaz de interferir tremendamente
na sua aparência física? Como isso determina se você terá cabelos ruivos ou
castanhos; cabelos cacheados ou lisos; olhos azuis ou pretos? Como podem
ocorrer as chamadas "doenças genéticas", como, por exemplo, a doença de Tay Sachs, que, quase por via de regra, não podem (ainda) ser curadas?
Acontece
que o DNA não faz muita coisa – apesar de ter uma tremenda importância (não é à
toa que ele ocorre em todos os seres vivos). Ele fica no núcleo das células e,
toda vez que ocorre uma mitose, precisa ser copiado. É que é ele que vai coordenar
o funcionamento das células. O DNA é um código ou, se você preferir, um grande
livro de receitas. Cada gene é uma receita em especial. E, quando o maquinário
celular resolve pôr a mão na massa, o resultado final é uma proteína. São elas,
no fim das contas, que fazem de nós únicos e especiais – o DNA dá a ordem para
construí-las.
Por
exemplo: se, na íris de seus olhos, o gene da melanina for muito ativo (ou
seja, estiver "dando ordens" para a receita sair do papel), você terá
olhos castanhos. Pode haver, porém, genes inibindo a produção da melanina na íris.
Nesse caso, os olhos serão azuis. O olho verde acontece quando certa quantidade
(mas não muita) melanina é feita. As doenças, por sua vez, acontecem quando há
defeitos na construção de uma proteína (em geral, enzimas). Esses defeitos são
causados por erros na sequência de bases nitrogenadas. Pequenas modificações em
tal sequência podem resultar em proteínas com formatos totalmente distintos, e,
por isso, não-funcionais. Vamos ver como isso acontece.
DNA
em RNA: a transcrição
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RNA polimerase "caminhando" sobre a dupla hélice de DNA e sintetizando o RNA. Fonte: "Art of the Cell" |
O
DNA é um livro de receitas permanente. Por causa de sua grande importância, ele
jamais deixa o núcleo, onde fica guardado em segurança. Mas, então, temos um problema:
os ribossomos – que são as "fábricas" onde as proteínas são feitas –
ficam no citoplasma. Para resolver isso, a informação genética do DNA é copiada
em um papel qualquer, como um rascunho, que pode ser, mais tarde, destruído. Esse
papel para rascunho é o RNA mensageiro. Trata-se da molécula que leva as
informações do DNA para o local de síntese de proteínas, isto é, os ribossomos
do citoplasma. O RNA, como você talvez já saiba, é um ácido nucleico
filamentoso, que possui como pentose a ribose. Em vez de timina, ele possui
uracila como a base complementar à adenina.
O
processo em que o DNA é copiado em RNA chama-se transcrição. Acontece assim:
Iniciação
Uma enzima, RNA polimerase, se liga ao
DNA, a partir de uma sequência específica de nucleotídeos, chamada de promotor. É ali que começa determinado gene.
Alongamento
Neste momento, aquelas ligações de
hidrogênio que mantinham as bases nitrogenadas do DNA unidas são quebradas
por uma enzima chamada de DNA helicase. A RNA polimerase começa a se mover ao longo da fita
de DNA. As bases nitrogenadas expostas são pareadas com nucleotídeos do
RNA: A com U; T com A; G com C e C com G. É como se todo o DNA fosse
reescrito, numa cópia fiel, mas em outra língua – tudo isso feita numa
velocidade estimada de 30 nucleotídeos por segundo. Usa-se as bases
nitrogenadas complementares para formar a fita de RNA – e a informação
para fazer a proteína está toda copiada ali.
Finalização (processamento)
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Os íntrons são removidos, restando apenas os éxons, que são as regiões codificantes |
Ao chegar às bases nitrogenadas finais, o RNA
recém-formado é desassociado do DNA. Mas o RNA ainda não está pronto: há
algumas partes da receita que foram transcritas, mas elas são inúteis para fabricar a proteína. Elas são
chamadas de "íntrons" (intragenic regions) – são sequências de bases
nitrogenadas que não codificam proteína alguma e que precisam ser removidas. É por isso que o nome mais correto para o RNA
recém-sintetizado é pré-RNA. Após a remoção dos íntrons, no que é chamado de "processamento",
forma-se um RNA mensageiro totalmente funcional. Ele é formado apenas por "éxons"
(extragenic regions) e, assim, está pronto para ir ao citoplasma e dar as
instruções para a síntese proteica. O processamento é mediado por um conjunto de proteínas chamadas de "spliceossoma".
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Ação da DNA ligase |
Algo digno de nota é que a fita de DNA, que havia sido rompida para a transcrição, é regenerada. Surge um complexo proteico chamado de DNA ligase. Esse complexo envolve o DNA como um relógio em torno de um pulso. Observe na foto acima. Tais proteínas funcionam como uma cola, que consegue refazer aquelas ligações de hidrogênio entre os nucleotídeos das duas fitas de DNA. Milhões de moléculas de DNA são naturalmente rompidas durante a vida de uma célula. Sem proteínas que conseguem "juntar os pedaços", as células podem não funcionar, morrer ou até mesmo se tornar cancerosas.
Tradução
A tradução é o
passo final na síntese proteica. Nele, o RNA é transformado em proteína. A tradução
ocorre num local especial: os ribossomos. Há ribossomos livres no citoplasma
celular. Eles sintetizam proteínas que serão usadas no interior da célula. Caso
as proteínas precisem ser construídas para a exportação (ou seja, destinadas à
outras células), a síntese ocorre nos ribossomos aderidos à superfície de um conjunto
de canais chamados de retículo endoplasmático rugoso.
Do
ponto de vista estrutural, o ribossomo é formado por duas subunidades, que são
constituídas pelo seu próprio RNA, o RNA ribossômico, e várias proteínas
associadas.
Pessoalmente,
acredito que a compreensão do Dogma Central (e, principalmente, do processo de
tradução) seja uma das partes mais importantes no estudo da Biologia. Entender como
que o genótipo (ou seja, o conjunto de genes) se transforma em fenótipo (as
características de cada um de nós, que dependem de quais – e o quanto de – proteínas
que sintetizamos) é a base para todos os outros campos de estudo.
Os
ribossomos formam um maravilhoso e sofisticado maquinário que existe em todas
as células, de todos os seres vivos. Com esse instrumento, nossas células
sintetizar combinações infinitas de proteínas – basta alterar a ordem das bases
nitrogenadas do DNA e, com isso, a do RNA. Vamos entender como isso ocorre:
Cada trio de nucleotídeos do RNA chama-se códon
e, na linguagem molecular que as células desenvolveram, cada códon corresponde a um aminoácido
específico. Por exemplo: o trio CUG é traduzido para o aminoácido leucina, CGG
como arginina e UAA é um dos três trios que significa "PARE!" – usado
no final da síntese proteica (códon de parada).
Um problema: Há 64 combinações de bases nitrogenadas possíveis.
No entanto, há apenas 20 aminoácidos usados na síntese proteica. O código genético
é, então redundante. Há trios de nucleotídeos que codificam, por vezes, o mesmo
aminoácido.A tabela a seguir estabelece as relações entre códons e aminoácidos.
A síntese proteica é muito mais complexa que a
transcrição e requer o auxílio de um conjunto de moléculas: proteínas, RNAs e,
por vezes, uma combinação desses dois (o que ocorre nos ribossomos).
A combinação entre códon e o aminoácido
codificado por ele é feito por um tipo de RNA especial, o RNA transportador. O
RNA transportador se liga brevemente ao códon, por ter as bases nitrogenadas
complementares à ele. Tais bases complementares são chamadas de anti-códon. Na
outra ponta do RNA transportador, está o aminoácido codificado pelo RNA
mensageiro. Desse modo, cada trio de bases nitrogenadas irá
se ligar à um RNA transportador específico, que trará, por sua vez, o aminoácido
codificado.
Quatro códons diferentes codificam a glicina, por exemplo. Por isso diz-se que o código genético é redundante |
Alongamento
O ribossomo atua com a ajuda de várias outras
proteínas. Entre a subunidade maior e a subunidade menor do ribossomo, se insere a fita de RNA mensageiro. O ribossomo "caminha" por ela e, durante o processo, alinha os RNA transportadores
e faz a ligação peptídica entre os aminoácidos associados a eles.
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O RNA transportador trás aminoácidos de acordo com a mensagem contida na fita de RNA mensageiro |
Terminação
Ao atingir o códon de parada, a cadeia polipeptídica formada é desassociada do RNA-t. Essa proteína pode ser usada na própria célula ou secretada para atuar no meio extracelular.
Entendendo as doenças genéticas
A sequência de
aminoácidos é crítica, pois ela que determinará o formato tridimensional da
proteína. Os aminoácidos irão interagir e a proteína irá se dobrar, formando
uma estrutura de geometria única. E é essa estrutura, chamada de estrutura
terciária, que permitirá que a proteína funcione. Por exemplo, em enzimas, o sítio
ativo é o local onde ocorre o encaixe dela com o substrato. Se o código genético
for alterado e codificar aminoácidos diferentes, esse sítio ativo não mais terá
o encaixe perfeito para o substrato. A enzima não funcionará, o que resultará
em alguma doença metabólica. Clique aqui para conhecer melhor sobre proteínas
Resumindo
Você possui trilhões de pequenos laboratórios em seu corpo. Nesse exato segundo, suas células utilizam fundamentalmente o mesmo mecanismo para sintetizar proteínas que nosso ancestral mais antigo, de bilhões de anos atrás, utilizava. Em resumo, cada gene codifica uma proteína. Mas aqui está o problema: o código genético fica protegido no núcleo celular, e o local de produção das proteínas são os ribossomos - estruturas localizadas no citoplasma. Para resolver isso, a informação do gene é copiada em outro ácido nucleico, o RNA mensageiro, que viaja até aos ribossomos citoplasmáticos, levando a informação ditada pelo DNA. Recrutando a ajuda de outras várias proteínas para funções específicas, o ribossomo lê a fita de RNAm e a decodifica. Cada trinca de nucleotídeos gera um aminoácido específico. Os aminoácidos vão sendo colados um ao outro e, assim, proteínas são construídas. E é assim que o DNA é expresso.
Em resumo: DNA --> RNA --> proteínas. Esse processo foi chamado por James Watson de "Dogma Central da Biologia". Pode soar estranho, pois "dogma" é algo frequentemente associado à religião. No entanto, o nome faz jus a grande importância do processo.
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